A difícil idade

Ontem, último e derradeiro episódio da série Merlí. Clima de melancolia para um velho professor de 70 anos como eu. Que, felizmente, vive rodeado de alunos. Fiquei pensando na diferença entre os jovens de Merlí, europeus, catalães, e os que aparecem no cinema norte americano. O tema do grupo adolescente é mais raro fora dos Estados Unidos.



 
Alex Katz - Isaac e Oliver - 2013

São representações, está claro: em Merlì eles aparecem idealizados; no cinema americano, protagonistas do besteirol (Porky's, American Pie), ou do horror (Sexta-feira 13, Pânico, A hora do pesadelo). são caricaturas.


 

Os "highbrow", ou seja, os chatos-cabeça, e mesmo o público médio, desprezam esses gêneros, como inferiores, ou puro produto da cultura de massa, expressões de mau gosto. Estão muito enganados. São filmes e diretores que se enquadram na categoria "contrabandistas", que Scorsese criou para demonstrar a liberdade e invenção dos "b movies", produção popular e barata. Sem o freio dos produtores, a invenção corre solta. Não é porque os personagens são simplificados que as questões por eles trazidas deixam de ser complexas.


"É como um campo de treinamento para a psique. Na vida real, os seres humanos são embalados nos pacotes mais frágeis, ameaçados por perigos reais e às vezes horríveis, acontecimentos como Columbine. Mas a forma narrativa coloca esses medos em uma série controlável de acontecimentos. Oferece um modo de pensar racionalmente sobre nossos medos ." Wes Craven


 



Merlì reúne jovens europeus numa escola pública. A gradação social vai das famílias mais abastadas (advogado bem sucedido) às precárias (pai desempregado, jovem mãe solteira imigrada da Ucrânia). Isso não impede que os valores da cultura possam se disseminar. Merlì tem o papel de auxiliá-los na difícil passagem da infância à idade adulta e também de lhes oferecer instrumentos intelectuais ao mesmo tempo finos e complexos.



 Girodet - Retrato do jovem Trioson 1800



No universo norte americano a transição para a idade adulta é sempre angustiante ou apavorante. No besteirol, o bullying, a crueldade, os pavores sexuais - em Merlí tão bem resolvidos - são expostos sem piedade. No terror adolescente, eles vêm acompanhados pelo desespero de enfrentar a abominável hostilidade do mundo. Os jovens se veem sempre sós, como abandonados pelos adultos. Não possuem um mentor que os ajude a desbastar as arestas. Estão reduzidos sempre a eles mesmos. Sob o pretexto de divertir, esses filmes instauram uma atmosfera opressiva e asfixiante. Wes Craven tem razão: a sociedade que acha nas armas o último reduto de defesa pessoal, que engendra massacres nas escolas, é a mesma que encena jovens ridículos e aterrorizados nas telas.

Comentários

  1. Adolescentes, pós-adolescentes e jovens, os ditos "highbrow" (termo mais prático do que "intelectuais wannabes versados em google search" [tempos atrás eram versados em verbetes de almanaque] é um povo que, se alcança Adorno, apenas consegue abaixar suas cabeças bovinamente para o autor. Porém, esta turma possui uma petulância e uma ingenuidade que os permitem arriscar sem o medo de pagarem mico. O que é positivo.

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