Adolescência e crueldade



Pôr a adolescência em cheque é algo ordinário na cultura norte americana, em particular no cinema. Ela não é vista apenas como uma fase, algo crepuscular ou na aurora das modificações dos hormônios e temperamentos. Antes, é avassaladora e na barafunda dos sentimentos, destrutiva, confusa e por vezes, corrosiva. Super dark times, filme de estreia do jovem de New Jersey, Kevin Phillips, trata de alguns aspectos. O amor ingênuo e novo, quase escapa diante dos acontecimentos. A brincadeira se une ao macabro, a separação é tênue e tísica são os relacionamentos, entre amigos, entre parentes etc. O filme de Philips é centrado, não há voltas nem artimanhas, direção segura, evita os trejeitos de quem quer se mostrar muito.  Thriller revestido de suspense. O horror do acaso e das escolhas e a naturalidade dos atrozes acontecimentos dessas próprias escolhas. 



Cenas de Super Dark Times, de Kevin Philips


O cinema de horror se nutriu muito com estas questões. Desde o primeiro Wes Craven The last house on the left, 1972 – recriação extraordinária da Fonte da Donzela, de Ingmar Bergman – lugar da ineficiência do mundo adulto, da polícia como idiota e da vingança sem limites. E, para ficar nos incontornáveis, de Carrie, 1976; aos anos 80, de The Funhouse, 1981 ou Evil Dead, do mesmo ano, entre tantos e inumeráveis filmes cujo o mal se aloja, nasce e decorre propriamente da adolescência. O meio pelo qual Pazuzu (o célebre demônio de The Exorcist, 1971) de modo sarcástico chega ao padre Merrin (Max von Sydow) é o corpo em ebulição, dúbio e adolescente de Regan (Linda Blair), há algo impreciso e, portanto, frágil na acepção do corpo adolescente.


American Pie, de Paul Weitz


Mas este terror não frequenta apenas os filmes deste gênero. Quantas comédias, escrachadas, conhecidas como “pastelão” não encara de frente as problemáticas e as visões sobre a adolescência. Deste modo: cruel, imperdoável. A cena que dá nome a série de filmes American Pie, 1999 serve de exemplo. Jim (Jason Biggs), ao ver a torta de maça na bancada da cozinha não se furta em usá-la como instrumento do desejo. Imediatamente lembra da fórmula: “chegar a terceira base” (termo do beisebol, na cultura popular adolescente o mesmo que finalmente transar) é como penetrar uma torta de maça quente, recém tirada do forno. Tudo é patético e pueril. Seu pai chega no exato momento, a dor do ridículo e o trauma são potentes. Assim como em Porky’s, de Bob Clark: o bullying parece matéria prima na trilogia e Pee Wee (Dan Monahan) o alvo predileto da turma. A virgindade é castigada de diversas formas, o mundo adolescente é pura crueldade e quase nunca nestes filmes vista com desinteresse. 

Porky's, de Bob Clark

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