Sobre filmes e séries: tréplica



Lendo seu texto de discordância, Jorge, me lembrei do Inácio Araújo afirmando taxativamente em seu curso: “cinema é arte, televisão é veículo”. E ao falar da obra de David Lynch e de seu Twin Peaks defendia que era uma obra de autor, cinema, mesmo veiculada na tv. Com a visão de vocês em mente, vou tentar refazer o percurso do meu último texto (e como é difícil expressar opiniões nesse espaço tão curto, ufa).

Você ganha todos os pontos quando veicula os seriados à tradição das matinês de cinema, e não às primeiras produções da tv. A origem é o cinema, de fato.

Ao que entendi, enquanto veículo, a tv exibe de tudo: desde produções técnica e tematicamente interessantes, feita por gente de cinema, até programas de auditório e variedades (herdeiros do circo, ou do vaudeville?). Dizer ‘televisão’ não significa a rigor nada. A depender do que é veiculado ela modifica seu caráter (cinema, vaudeville, esportes, reality shows), por isso é um meio, mero eletrodoméstico. Certo?

O trabalho na tv sempre foi visto por atores, técnicos e diretores como um meio menor (em comparação com o cinema), sempre houve esse espírito de autodepreciação. A HBO, em seu início, se estabeleceu com base na declaração de que “não é TV”. Ela é uma espécie de vício que todos vêem mas ninguém admite. Orson Welles disse certa vez: “Detesto televisão. Detesto tanto quanto amendoim. Mas não consigo parar de comer amendoim”. Essa frase tem o sabor da confissão de um pequeno pecado.

Durante muitas décadas a tv criou séries onde capítulo tinha começo e fim. Eram histórias fechadas, mas que possuíam um gancho para a semana seguinte. Desde as antologias, como Twilight Zone, passando por A Feiticeira, Dallas, Esquadrão Classe A, MacGyver, Friends, Plantão Médico e por aí vai, esse modelo de produção sempre dominou.

Eu vejo que o ponto de virada está na década de 1990, onde algumas redes dão liberdade total de criação para os criadores, orçamentos maiores, prazos mais largos. E é então que algumas redes se tornam Mecas a atrair roteiristas do cinema. Protagonistas moralmente ambíguos, histórias abertas, desenvolvimento lento da ação. E era sobre isso que eu pretendi mirar no meu texto, mas acabei errando.

Estabelecido os conceitos de cinema e televisão, talvez possamos voltar a discutir as diferenças qualitativas entre o que é produzido para a tela grande e para a tela de plasma. O que acha?

Comentários

  1. Oi Will
    Fazendo um concurso de culpabilidade, sou eu quem deve bater no peito. As relações entre cinema e televisão são muito mais complexas do que eu disse. Também, não escondo o prazer que sento com os programas populares, como A praça é nossa, que assisto desde o tempo em que era Praça da Alegria. Um programa que prolongou, na TV, o humor circense, do qual Golias foi o grande gênio. Também fui fã de Gil Gomes, que apresentava Aqui, agora, tão diferente dos fascismos policiais da tv de hoje. Esses programas expunham um mundo popular o culto (ah, o antigo show de calouros, do Silvio Santos!). Mas TV não é cinema, e cinema não é tv. Um é arte, o outro é um veículo, que poderia ser bom mas é, no mais das vezes, mal usado.
    Você fala dos episódios de TV com começo, meio e fim. Também não é invenção televisiva, embora tenha ganho um grande estímulo com a TV, porque o formato combina com ela. Mas nos velhos tempos, os filmes vinham acompanhados por curtas de ficção (que nós chamávamos de short). Eles tinham uma bobina só, na maioria eram cômicos: Três patetas, Gordo e o magro; mas às vezes eram sérios. Ainda anteontem vi Sons of Liberty, soberbo curta de Curtiz, que acompanhava Dodge City.
    Esta questão genética não é só de prioridade. É que o cinema definiu as regras dessas realizações. E você não pode esquecer que, até a aparição do videotape, séries e sitcoms na TV eram feitos exatamente com os mesmos meios que se usava para os filmes de cinema.

    ResponderExcluir

Postar um comentário