Uma perseguição política

Ele lutou a vida inteira pelos direitos dos mais pobres. Fez com que ninguém mais passasse fome. Bateu-se com toda a garra pela reforma agrária. E para que a cidadania não fosse um privilégio de poucos.




Dos irmãos Graco, Caio e Tibério, o que se conhece mais é um episódio da infância. Cornélia, filha de Cipião o Africano, recebeu a visita de uma dama romana vaidosa e cheia de joias preciosas, de que tinha muito orgulho. Quando a visita pediu para ver as joias de Cornélia, ela chamou seus dois filhos, Caio e Tibério, dizendo: "aqui estão minhas joias". Foi assim que o escultor Jules Cavalier a retratou em 1861, numa escultura que está no museu d'Orsay.

Os irmãos não decepcionaram. Tornaram-se o que se chamou, na Roma antiga, de populares: líderes políticos que favoreciam a causa dos plebeus, sobretudo os mais pobres. Os ricos aristocratas fizeram tudo para barrar os projetos que hoje nós consideraríamos sociais. Tanto que, em 133 AC, Tibério Graco foi morto a pauladas no Capitólio.

Seu irmão, Caio, prosseguiu com as mesmas convicções políticas. Eleito tribuno da plebe em 123 AC, fez aprovar uma lei ambiciosa de reforma agrária, outra de investimento em estradas, outra que proibia a condenação à pena capital sem processo regular, outra que distribuía pão subvencionado aos mais carentes, outra determinando que o estado deveria pagar os equipamentos militares individuais e que ninguém abaixo dos 18 anos pudesse ser convocado.

O senado terminou autorizando a eliminação de Caio Graco por qualquer meio. O tribuno fugiu, perseguido por seus inimigos. Para não se entregar, pediu a seu escravo Filócrates que o matasse. 3000 de seus aliados e apoiadores foram também assassinados.





Nunca antes os artistas investiram de modo tão direto nos acontecimentos contemporâneos como no momento da Revolução Francesa. Foi o caso de François-Jean-Baptiste Topino-Lebrun. Jovem pintor em Roma durante esse período, viu-se acossado pela polícia papalina, que reagia com violência às ideias vindas de França. Fugiu para Paris, onde foi abrigado por David. 

Era benevolente, humano e de grande bondade, como testemunham os que o conheceram e os documentos que se possui sobre ele. Wicar fez-lhe o retrato em 1791,  um desenho circular em que o pintor é mostrado de perfil: nariz forte, lábios espessos. Estava com 27 anos.

Topino tinha espírito independente. Não era homem de partido, mas se empenhou em atividades revolucionárias. Suas idéias sociais, generosas, fez com que ele  tivesse simpatia por Babeuf, teórico, jornalista e revolucionário.  A França se encaminhava para posições conservadoras. Babeuf articulou um movimento contra as repressões que aumentavam e em favor do retorno à constituição do Ano I, terminando com o Diretório. Pretendia também instaurar a coletivização das terras e dos meios de produção. O "babouvismo", ou seja, suas teorias, eram baseadas sobretudo no princípio da igualdade.

Babeuf articulou uma revolta conhecida como "A conjura dos iguais". Mas a polícia descobriu e prendeu os revoltosos. Para evitar manifestações populares, o julgamento foi transferido para fora de Paris.

Babeuf havia tomado o nome de Graco, seu grande predecessor que também lutara  pela reforma agrária. Ao ouvir sua condenação à morte, tentou se suicidar, seguindo assim seu modelo romano. Foi impedido e levado, moribundo, para a guilhotina no dia 28 de maio de 1797.

Abalado pelo processo dos babouvistas e pela morte de Babeuf, Topino-Lebrun apresentou, em 1798, um grande quadro, de aproximadamente 4 m x 6 m, representando A morte de Caio Graco (Museu de Marselha).

Topino Lebrun Gracchus.jpg

O quadro é enérgico. Nele se vê os romanos aproximando-se de Caio Graco para massacrá-lo. O tribuno, de torso nu, apoia-se em seu escravo, que o ajudou no suicídio e que se mata também. A multidão furiosa, colérica, irracional, é concentrada nos violentos personagens do primeiro plano, mas ela se prolonga ao longe: percebe-se, no fundo, partidários de Caio Graco sendo atirados no Tibre.





O quadro era uma alusão clara aos acontecimentos que envolveram Babeuf e um eloquente documento sobre as simpatias de Topino.

Ora, no ano de 1800 houve um atentado para assassinar o general Bonaparte, então Primeiro Cônsul. Mas foi uma encenação, uma falsa agressão, um simulacro, permitindo que a oposição de esquerda, os jacobinos, começassem a ser neutralizados. Sob falsas acusações, militantes foram guilhotinados depois de uma paródia de julgamento.

Há um pequeno desenho de Duplessis-Bertaux que inscreve o nome de Topino-Lebrun e que representa os condenados diante da escada conduzindo ao cadafalso. O jovem carrasco indica a direção. Topino-Lebrun deve ser o primeiro, perto dele.




Marx disse que a história se repete como farsa. Talvez não seja assim. Talvez ela se repita, apenas. 


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