Notas sobre Pantera Negra - II


*AVISO DE SPOILERS: esse texto contem revelações da trama do filme Pantera Negra que podem aborrecer quem ainda não viu e pretende assistir. Fica o toque.*



Continuando algumas questões sobre os protagonistas masculinos do filme Pantera Negra. Para ficar no campo da história e política dos EUA (afinal, é quem produziu o longa), é possível identificar  ideologicamente Erik Killmonger com Malcolm X e T'Challa com Martin Luther King Jr.

Martin Luther King Jr era pastor batista, um dos líderes do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, através de uma campanha de não-violência e amor ao próximo.

Malcolm X era um convertido muçulmano, defensor do nacionalismo negro, de caráter separatista. Defensor da violência como método de autodefesa e do socialismo, pois entendia os problemas sociais das minorias como estrutural das sociedades capitalistas.

São dois universos antagônicos. A história tende a valorizar muito mais a trajetória do pastor Luther King que as idéias e ações de Malcolm X. E o filme da Marvel se esforça pra isso: defende seu herói africano monarquista que sempre concebeu ‘seu povo’ como a população da utópica Wakanda, e não como o povo negro em diáspora forçada pela escravidão; enquanto condena seu antagonista que entende o sofrimento do negro no mundo como provocado pelo opressor branco, planejando uma insurreição armada por todo o globo.

Mas é absolutamente necessário essa dicotomia? Não existiria uma figura que poderia unir, ou ao menos criar pontes entre T'Challa e Erik Killmonger, entre Martin Luther King e Malcolm X?

Entre a abordagem de força de Malcolm X e o programa não-violento de Martin Luther King, talvez James Baldwin seja uma figura de equilíbrio. Novaiorquino, intelectual, romancista, homossexual, se muda aos 24 para Paris e passa a maior parte de sua vida lá. Para ele, a questão do racismo não era apenas política, mas sobretudo moral. Era preocupado com a reconciliação entre brancos e negros, e na irracional e cruel maioria branca dos EUA, que, ao negar o estatuto de humano aos negros, se tornaram ‘monstros morais’.


“Eu não era um negro muçulmano. Da mesma forma, embora por razões diferentes, eu nunca me tornei um Pantera Negra, porque não acreditava que todos os brancos fossem demônios. E eu não queria que os jovens negros acreditassem nisso. Eu não era membro de nenhuma congregação cristã porque eu sabia que eles não tinham ouvido e não viviam de acordo com o mandamento: amai-vos uns aos outros como eu vos amo”

“No que diz respeito a Malcolm e Martin, eu via dois homens de origens inimaginavelmente diferentes, que originalmente tinham posições opostas, se aproximando cada vez mais. No momento em que os dois morreram suas posições se tornaram, virtualmente, a mesma posição”.

“...quando tenta se impor e encarar o mundo como se tivesse o direito de estar aqui, você atacou toda a estrutura de poder do mundo ocidental. Esqueçam o problemas dos negros. Vocês precisam olhar o que está acontecendo neste país. O que acontece é: um irmão matou o irmão sabendo que era seu irmão. Brancos lincharam negros sabendo que eram seus filhos. Mulheres brancas mandaram linchar negros sabendo que eram seus amantes. Isso não é um problema racial, é um problema de estar disposto a olhar para a sua vida e ser responsável por ela e então começar a mudá-la. A grande casa ocidental da qual eu venho é uma única casa, e eu sou um dos filhos da casa. Eu sou a criança mais desprezada daquela casa. E é porque o povo americano é incapaz de aceitar o fato de que eu sou carne da carne deles, osso dos ossos deles, criado por eles”.

Aconselho a quem não assistiu, que veja o documentário EU NÃO SOU SEU NEGRO, de Raoul Peck, que é uma ótima introdução ao seu pensamento.

Um personagem com as características de Baldwin em Pantera Negra talvez mostrasse aos primos que eles estavam mais próximos do que imaginavam.



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