O gênero transitório: Delacroix, Zola e Péladan



Baudelaire escreve para Le Pays sobre a Exposição Universal e Internacional de Paris, em 1855. Delacroix, Ingres, Decamps e Vernet foram as grandes vedetes da sessão francesa, recebendo uma verdadeira retrospectiva. O autor dedica um ensaio a Ingres e outro a Delacroix. Escreve sobre A morte de Sardanapalo, ou melhor, a ausência de Sardanapalo na exposição daquele ano. Excelente trabalho de memória, como o frescor de vê-la pela primeira vez:


Lamento que Sardanapalo não tenha sido exposto este ano. Nele poderíamos ver mulheres belíssimas, claras, luminosas, róseas, tanto quanto me lembro, pelo menos. O próprio Sardanapalo era belo como uma mulher [...]


Eugène Delacroix. A morte de Sardanapalo. 1827

De fato, a figura contemplando o banquete da morte é apresentada de modo efeminado.
A representação do andrógino possuí uma vida constante e muito instigante na cultura. Na história da arte, publicações de toda sorte procuram compreender o fenômeno. Efebo de Crítios, as imagens de Amenófis IV – Akhenaton –, uma porção de obras de Gustave Moreau ou Eliseu Visconti etc. 

No final do século XIX, mais precisamente em 1891, Joséphin Péladan escreve um ensaio sobre o tema: De l’androgyne, com o subtítulo de Teoria Plástica. A ideia central de Péladan é a junção entre a moral, o erótico e a estética. Seu primeiro trabalho acerca das artes plásticas é sobre Rembrandt, 1881. Do lado oposto de Zola, seu misticismo neocatólico busca o mistério, a imaginação e o invisível, características únicas para chegar a alguma verdade. O mundo sensível é por definição falso.

De l'androgyne. Frontispício da primeira edição, 1891

O problema estético se colocava assim: fundir em só um tipo o jovem homem e a jovem mulher. O que é uma virgem? Um jovem homem que tem pouco pescoço e quadril? O que é um adolescente? Uma virgem sem pescoço e sem quadril. O sexo exterior só se mantém essencialmente no tórax e na pelve.
[...] O andrógino nos transporta fora do tempo e do lugar, fora das paixões, no domínio dos arquétipos, no mais alto que atinge nosso pensamento.



O anjo não é bem o alvo, ele é andrógino. A fórmula perfeita da representação do corpo humano é a junção das categorias que a rigor, segundo o autor, encontram-se no corpo em formação, na passagem do adolescente ou da criança para a vida adulta.

Gustave Moreau. Jasão. 1865


Não é estranho que Péladan tenha convidado Gustave Moreau para o círculo dos Rosa-cruzes. Figuras do artista como em Jasão, Os Pretendentes e outros confirmam a proximidade.
Apesar das discrepâncias entre os autores, lemos o seguinte no primeiro volume da saga dos Rougon-Macquart de Zola, A fortuna dos Rougon


Era uma criança, mas uma criança que estava tornando-se mulher. Achava-se vigorosamente no muro alvadio de luar. Era uma criança, mas uma criança que estava tonando-se mulher. Achava-se nesta época indecisa e adorável em que a moça sai da idade infantil. Há então, em cada adolescente, uma delicadeza de botão de rosa nascente, com formas indefinidas um delicioso encanto; as linhas cheias e sexuais da puberdade acentuam-se, ao de leve, nas ingênuas magrezas da adolescência; a mulher desabrocha com os seus primeiros acanhamentos públicos, não conservando quase nada do seu corpo de menina [...]

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