Vende-se amor


Aplicativos de encontros amorosos podem ser a mania dos tempos atuais para encontrar um novo romance. Mas as facilidades promovidas por essas ferramentas tecnológicas seriam realmente novidade?

La Venditrice di amorini, afresco, Villa Arianna, Stabia, Museo Archeologico Nazionale di Napoli, Itália.



A imagem proveniente da Villa Arianna, conservada no Museu Arqueológico Nacional de Nápoles apresenta três figuras femininas. Do lado esquerdo estão duas mulheres. Uma delas em pé e a outra sentada. Esta é tocada em seu ombro pela mão direita da mulher que a acompanha, quase como um gesto de parceria. As duas direcionam seus olhares para o evento que ocorre do lado oposto. Nela uma mulher sentada ergue o braço para exibir, com certo desprendimento, uma figura infantil que é agarrada pelas asas. Já a mão esquerda se apoia no topo de uma estrutura de feixes espaçados, essa espécie de gaiola contém no seu interior outro exemplar das criaturas aladas. E ainda um terceiro personagem de asas encara as duas protagonistas do canto direito. 

Talvez o título  da obra (A vendedora de Cupidos), não surgiu por acaso. Na falta de um amor arranjado ao modo convencional, promovido pelo destino, contratos matrimoniais, etc, a solteira poderia adquirir um cupido para sanar a solidão. Bastaria negociar com uma vendedora, que tal?

O afresco foi descoberto somente no século XVIII. Mas a preocupação pela captura de um amante ou conquista da afeição do amado por qualquer subterfúgio era tema frequente nos textos da antiguidade. Ovídio (43 a.C. - 17 a. C.) dedicou-se a tarefa de auxiliar moças e rapazes na busca por um encontro. Em Ars Amatoria (A Arte de Amar) o texto garante ao leitor em detalhes diversas táticas para conquistar o(a) amado(a). 

O tema também aparece nos epigramas de Meleagro de Gadara (130 a.C. - 60 a. C.),  há a tentativa de vender Eros:

Que seja vendido, mesmo no colo da mãe dormindo,
seja vendido. (...)
É todo fera. É então vendido. Se algum mercador
de partida deseja comprar este pequeno, aproxime-se.*
                                                                                       *(A. P. 5. 178)
Carlo Nolli, figura 7 do vol. 3 de Delle antichitá di Ercolano, Nápoles, 1762. 


Depois de encontrado, o afresco da Villa Arianna parece ter repercutido nas artes visuais do século XVIII. A cena foi reproduzida por Carlo Nolli (1710-1785) em uma publicação popular, uma das edições oficiais das escavações realizadas em Nápoles. Os volumes de Delle antichitá di Ercolano provavelmente foram consultados por muitos artistas do período. 

Joseph-Marie Vien. La Marchande d'Amours,1763. óleo sobre tela, 117 x 140 cm, Musée National du Château, Fontainebleau

Há uma conhecida reinterpretação do afresco feita pelo pintor francês Joseph-Marie Vien (1716-1809). Não se sabe se Vien observou o afresco in loco, mas certamente sua proximidade com o antiquário Anne Claude Philippe de Caylus (1692 – 1765) promoveu o contato do pintor com a gravura de Carlo Nolli. 


Henri Pierre Picou. La Marchande d'amours à Venise, 1893.

Henri Pierre Picou (1824–1895) retoma o tema colocando a vendedora de amores em local público. Aos modos de um vendedor das feiras populares, ela oferece aos fregueses seu produto de promessas amorosas.


Johann Heinrich Fuseli. Cupid Seller, 1775–76. Black and red chalk on paper, 12 1/4 x 19 in. (31.1 x 48.3 cm). Yale Center for British Art, B1982.8. Paul Mellon Fund.

Fuseli (1741–1825) cria uma vendedora de cupidos misteriosa, quase perigosa. Seu rosto coberto cria um tom de clandestinidade. A cliente inclina-se para o lado oposto da figura encapuzada se demonstrando reticente em aceitar oferta. Lembrando os contos de fadas em que a bruxa força a mocinha para aceitar a maçã envenenada, Fuseli não adere aos encantos do cenário clássico de Vien e nos avisa que o amor pode ser amedrontador.


identidade visual do aplicativo Adopte un mec
campanha publicitária do aplicativo Tinder

Perigoso ou não, a oferta dos encontros amorosos encontrou espaço nos aplicativos como Tinder ou Adopte un mec, que no Brasil ganhou o nome de Adote um cara.


vitrine na rue des Halles, em Paris, campanha da Adopte un mec, 2012.

                     

                     

          



As vendedoras de cupidos das ruas ou em domicílios, foram substituídas.
Em 2012 a empresa francesa Adopte un mec criou vitrines nos mesmos formatos das caixas que serviam de embalagem na comercialização das bonecas Barbies e a sua versão masculina, Ken. Em Paris na rue des Halles homens no interior dessas caixas se exibiam, posavam e acenavam para as transeuntes, as opções atingiam variados gostos: o nerd, o aventureiro, o surfista, etc. Bastava colocar a sua compra no carrinho e passar no caixa.



                                
  



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