A descoberta de uma obra-prima

Uma senhora, que vive em uma aldeia da Vendéia, na França, telefonou para a casa de leilão Rouillac, que fica em Vendôme, cidade de 16000 habitantes. O pai e o filho Rouillac já encontraram algumas obras excepcionais, mas possuem uma casa pequenina em relação às grandes parisienses como Piasa ou  Ader, e minúscula se pensarmos nos gigantes internacionais como Christie's ou Sotheby's.

A conversa foi mais ou menos assim: 

"Tenho um quadro bonitinho pendurado na parede. Ganhei de minha mãe, em 1950. Já consultei alguns peritos, mas disseram que não tem valor. Talvez seja inglês, porque representa um menino ruivinho".

Os Rouillac foram ver do que se trata e se depararam com isto.



Imediatamente, perceberam a fabulosa qualidade da obra e identificam os autores: os irmãos Le Nain. Submeteram o quadro aos especialistas nesses pintores. Foram unânimes: o quadro é autêntico.

Pelo que pude ver pelas reproduções parece ser aquilo que se chama de uma obra-prima. 

Os Le Nain estão entre os mais extraordinários artistas do século 17. Tiveram uma formação provinciana, em Laon, onde nasceram, talvez com "um artista estrangeiro", como dizem as fontes. Produziram pintura original centrada no tema de camponeses, tratados sem efeitos espetaculares e com cores discretas. Seus personagens e objetos são solidamente plantados e construídos pela matéria. Essa materialidade é sempre transfigurada pela  atmosfera serena e calma.

A tela recém-descoberta traz um tema da contra-reforma, relativamente raro: o menino Jesus meditando sobre os instrumentos da paixão. Ou seja, o menino antevê seu futuro. Ele está vestido com tecido grosseiro, em tom de branco quebrado, muito característico dos Le Nain. A cortina, no alto, sugere a revelação desse espetáculo místico. A noite chega apagando as luzes do dia.






A penumbra faz viver os objetos de modo poético, induzindo à meditação. O rosto do menino, sob suas mechas douradas, é portador da mais profunda melancolia.






O garoto se aparenta aos que os Le Nain incluiam em suas cenas de família, como o pequeno tocador de pífaro, no quadro do museu do Louvre.






Ele me fez pensar em um adolescente que os irmãos Le Nain pintaram jogando baralho, quadro do Museu Granet de Aix-en-Provence. Salvo o desrespeito, poderíamos imaginar que o menino Jesus cresceu e desistiu de seu destino e foi pelo mau caminho. Poderíamos, se não fosse a tristeza metafísica tão poderosa que emana do futuro mártir.




A obra recém-descoberta será vendida no dia 10 de junho. Atingirá, sem dúvida, dezenas de milhões de Euros.

Há, atualmente, uma exposição sobre os Le Nain, organizada pelo Louvre-Lens e intitulada "O mistério Le Nain". Um pequeno vídeo sobre ela:


Comentários