A falência dos relacionamentos



O curta não tem mais do que oito minutos. História bem centrada, certamente um exercício para os anos de faculdade. Na trama, a mesa sendo posta e um típico jantar de família, a mãe e o pai nas cabeceiras. O filho chega atrasado. Término da reunião familiar, mesa desfeita e a tão aguardada sesta do pai. O bom garoto faz o café para mãe. Posto isso, imagens gerais, pouco close-up: uma descrição informal do espaço. Em poucos minutos, o filho tranquilamente assassina um por um de formas diferentes, a golpe de tesouras; asfixia por sufocação com uma almofada etc. Depois, ajeita os familiares, agora corpos inanimados, com cuidado dispondo-os bem confortáveis no sofá. Tudo arranjado, prepara sua máquina fotográfica e carrega o temporizador: é tempo para correr até o sofá e junto com a sua família posar para a fotografia. Grosso modo, este é o enredo de Photo de Famille, o primeiro trabalho de François Ozon, datado de 1988.

François Ozon. Photo de Famille. 1988
François Ozon. Photo de Famille. 1988



O cinema de Ozon trabalha em diversos eixos, passa por inúmeros modos de conceber temas da cultura. Em seus primeiros trabalhos era enfático no trato com o fantástico, o medonho e o fúnebre. O curta Victor, 1993, parece uma versão cinematograficamente mais acabada em relação a Photo de Famille, ao mesmo tempo em que torna perceptível uma concepção formal e moral próxima a de Balthus. Mas, há algo que se mantém. Uma discussão por vezes em primeiro plano e em outras de modo secundário: a falência dos relacionamentos. Não importa muito bem de qual relacionamento estamos falando: entre pais, entre garotos, entre amigos ou de um casal tradicional. Seja qual for sua natureza é fadado ao fracasso, sua estrutura é impossível.  Na superfície das aparências, Photo de Famille mostra um jantar qualquer, mas corrompido por uma relação familiar insustentável.

Deste curta de 1988 até o seu atual último trabalho, L’Amant double, esta questão sempre esteve presente. Seria plausível indicar uma relação neste ponto com Bergman, algumas cenas parecem ser o eco imediato desta perspectiva na obra do diretor sueco. Mas também a própria filiação acadêmica de Ozon, com professores como Éric Rhomer ou Joseph Morder e seu mestrado sobre a obra de Maurice Pialat. Em Les amants criminels, de 1999, a juventude e suas consequências são postas na mesa. Os conflitos sexuais e as pulsões levadas por eles possuem consequências imediatas. A história se passa por meio de um casal muito jovem, provavelmente namorados: ciúmes, desejo, incoerência e descobertas se mesclam. Se amam, mas é um sentimento cambiante. No conjunto de situações se vêm mantidos em cativeiro, por um senhor solitário. Logo a relação se torna mais complexa, o caso se transforma em piramidal, espécie de síndrome de Estocolmo.

François Ozon. Les amants criminels. 1999 (foto promocional)


François Ozon. Les amants criminels. 1999



François Ozon. Les amants criminels. 1999



Em Sous le sable, 2000, o ambiente é pesado e muito melancólico. A tristeza percorre todo o filme. Estamos diante de um casal em férias. Ela muito feliz, há um trânsito enorme na estrada, mas este está no sentido contrário: as férias para eles começam quando as outras terminam. A promessa de tranquilidade e paz é iminente. No primeiro terço do filme a melancolia habita todos os poros da figura masculina. Com poucas palavras, falta energia mesmo para respirar. O ataque em Sous le sable é silencioso, o alcance da percepção do outro em um relacionamento é muito limitado. Os limites da intimidade mais profunda são invisíveis, e a sensação quando algo acontece é brutalmente inesperado. A vida se arrasta junto com os relacionamentos e a percepção de que algo acontece é impossível.


François Ozon. Sous le sable. 2000

François Ozon. Sous le sable. 2000

François Ozon. Les amants criminels. 1999


Poderíamos insistir sobre esse ponto. 5x2; Le refuge; Le temps qui reste; Frantz e tanto outros filmes de Ozon apontam para esta falência. Quando há qualquer possibilidade de um relacionamento funcionar, ela é em essência fugaz. Se suas obras não são inteiramente pessimistas este ponto em sua filmografia certamente o é.

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