A linha da graça e da beleza

É possível alguém se apaixonar pelo percurso de uma linha. 





Foi o que ocorreu com William Hogarth. Em seu autorretrato O pintor e seu cão (em inglês, The painter and his pug, que pode ser traduzido também por dogue, ou pug, mesmo), ele  se representa junto ao seu amado cachorro, que se chamava Trump. Seu amigo escultor Louis-François Roubiliac modelou o cãozinho em uma terracota que serviu de modelo para a tiragem de pequenos bibelôs em porcelana de Chelsea.




A tela está na Tate Gallery, de Londres, e data de 1745. É um trompe-l'oeil, um retrato dentro da imagem. Hogarth está num medalhão que repousa sobre livros: ele se queria teórico e publicaria suas concepções num texto célebre, intitulado A análise da beleza (1756). O quadro revela que, antes da publicação de suas idéias em livro, ele já se apaixonara pela linha sinuosa: ela está sobre sua paleta limpa, como um fio de palha, ao lado de suas iniciais e acima da inscrição: "A linha da beleza e da graça".




A linha sinuosa traria em si a beleza pela graça, pela variedade. Ela exerce grande fascínio. É portadora do fluxo, da dinâmica, da pulsão e da vida.


Victor Horta- Vestíbulo e escadaria do Hotel Tassel  - Bruxelas, 1893
.

Felix Ravaisson, mestre que Henri Bergson adorava, fascinado pela forma serpentina, ia buscar em Leonardo da Vinci o bom enunciado: que "o ser vivo se caracteriza por uma linha ondulosa ou serpentina, que cada ser tem seu modo próprio de serpentear, e que o objeto da arte é de tornar esse serpenteamento individual".

Leonardo da Vinci - Estudo para Leda e o cisne - 1507 circa

Em sua homenagem a Ravaisson, Bergson o cita: "O segredo da arte de desenhar é descobrir em cada objeto a maneira particular pela qual ele se dirige em toda sua extensão, tal uma onda central que se desdobra em ondas superficiais, certa linha flexuosa que é como seu eixo gerador."


Corot - A estrela da tarde -  Museu dos Agostinhos, Toulouse, França



Bergson continua citando Ravaissou: "Essa linha soberana que comanda as outras linhas e que, no entanto, se revela aos olhos apenas por estas últimas, essa linha que se faz advinhar, ao invés de se mostrar, e que não existe tanto para a vista do que para a imaginação e para o pensamento, um artista eminente de nossa época chamava-a de linha "metafísica" ou suprafísica."




Delacroix - Estudos para a decoração do Salão do Rei na Assembléia Nacional, em Paris - antes de 1838

Bergson, comentando o texto de Ravaisson, lembra que, dessa maneira, a linha "não sublinha as formas do contorno, mas os concentra simplesmente à volta do pensamento latente e da alma geradora". Ela traduz o espírito da forma.

Degas - Depois do banho - 1896











Comentários