As obras de Ingres são o oposto
da virilidade masculina davidiana. Uma carnação linear onde a figura feminina
possui uma presença central. Léon Rosenthal e depois Henri Loyrette apontam em
especial para o caráter abstrato da linha. Não há partes obscurecidas neste
discurso, La grande Odalisque, 1814
ou mesmo Baigneuse à mi-corps, 1807
não deixam dúvidas. Esta última, aliás,
obra audaciosa do jovem artista, mostrando sua predileção às formas e às linhas
na composição enviando uma academia feminina no lugar da convenção do torso
viril do homem.
A aceitação do artista é tardia
entre seus pares. Apenas com Le Vœu de
Louis XIII, 1824 obtém reconhecimento, mesmo assim sucesso fugaz. O fracasso
retumbante de uma obra maior (Le Martyre
de saint Symphorien, 1834) o deixa amargurado com os salões.
Jean-Auguste Dominique Ingres. Oedipe explique l'énigme du sphinx. 1808/1827 |
Ingres não apenas retrabalha
diversas obras durante muitos anos, retoma temas caros. Œdipe explique l'énigme du sphinx é caso notório. A obra data de
1808 e foi retrabalhada em 1827 e exibida no salão daquele ano. Três anos antes
de sua morte, em 1864, ele volta ao tema. Composição similar, mas com diferenças
percebidas de imediato. A obra de 1808 foi realizada como envio de estudo, uma
academia. Depois, em 1827, ele acrescenta elementos consideráveis na obra,
insere a esfinge e o rapaz atordoado no canto direito inferior. A narrativa é
condensada. Em primeiro plano Édipo nu, apenas com o panejamento avermelhado. Aos
seus pés uma ossada comprova o fracasso dos viajantes anteriores que pereceram
ao enigma da esfinge. Esta, diante de Édipo foge de seu olhar, sua face é
imersa nas sombras. Saliente, no entanto, são seus seios. Firmes, fortes e
empinados, estão na direção de Édipo que age naturalmente. Aponta para si mesmo
e para a esfinge. O enigma foi vencido. Na abertura das rochas, Tebas se mostra
e o destino brutal se faz presente.
Jean-Auguste Dominique Ingres. Oedipe explique l'énigme du sphinx. 1864. |
A estrutura da obra se repete
naquela de 1864. Não há o homem atordoado que parece fugir do assombro do
enigma. A abertura aparece novamente, um caminho é visível para Tebas e dois
homens estão à espreita nas rochas. O gesto do herói muda, aponta para a ossada
e o corpo caído, cujos pés são visíveis. Sua outra mão aponta para si. Indica a
morte da esfinge, mas também a sua própria destruição. O busto é mais luminoso
e mais presente. O olhar de Édipo está para o rosto da esfinge bem como para os
fartos seios. O rosto inteiro da esfinge repudia a reposta certeira.
Ingres trabalhou insistentemente na
apresentação do corpo feminino, seus retratos estão entre os mais
extraordinários do século XIX, o tema do oriente etc: inegável. Os grandes
seios da esfinge denotam o mistério ligado ao desejo.
O artista notadamente célebre
também pelo corpo feminino possui uma parcela de seus trabalhos ainda
obscurecidos: seus desenhos eróticos e pornográficos realizados a partir de
gravuras de mestres do renascimento. De modo mais raro aparece nas monografias sobre o
artista. No livro sobre o erótico no ocidente de Edward Lucie-Smith, Ingres é abundantemente
citado, mas nenhum de seus desenhos ali figuram.
Jean-Auguste Dominique Ingres. Estudo de nus, para Voeu de Louis XIII. |
Jean-Auguste Dominique Ingres. Estudo para a esfinge. |
Claro que os desenhos
preparatórios para a esfinge ou mesmo a graça da linha do corpo nu dos anjos para Voeu de Louis XIII são potentes figuras eróticas.
São desenhos conservados no Musée
Ingres em Montauban. As cenas de relação sexual se multiplicam. O jogo complexo
da linha, as marcações musculares ou a pele polida são trabalhadas pelo artista
de modo poderoso. O relaxamento e a rigidez no ato são marcantes.
Ingres, A partir de René Boyvin. |
Ingres. Casal. a partir de gravura não identificada. |
Por vezes, a descrição do sexo se
mostra mais acentuada nas obras de Ingres em relação às gravuras.
Giulio Bonasone. Marte beijando Vênus. |
Ingres a partir de Giulio Bonasone. |
A cena de Danae é concentrada na
apresentação da figura feminina com as pernas abertas, o sexo é posto diante do
olhar do espectador, um pouco como a famigerada Origem do mundo de Courbet.
Ingres. Danae, a partir de Giulio Bonasone |
Giulio Bonasone. Danae. |
Na pureza da linha de suas obras,
o sexo se mostra resinado. Em um dos desenhos preparatórios para sua Vênus, a
marcação da humanidade da deusa passa pelo desenho marcado da vulva.
Ingres. Desenho preparatóio para Vénus anadyomène. 1808c. |
O significado privado destes potentes
desenhos é nebuloso, mas é libertador em relação a seu mestre, para Stéphane
Guégan
Podemos ver como Ingres realiza este elemento concentrando-o em suas outras pinturas, tendo em mente os desenhos-tabus.
Comentários
Postar um comentário