Envelhecer, segundo Varda e Godard



Ele surge como uma figura misteriosa e determinada. Jovem, alto e magro, camisa e calça justas e escuras, elegantemente metido num sobretudo preto. Chapéu e óculos escuros que parecem colados a si, assim como a câmera fotográfica. Claro. Todo hipster é também um fotógrafo, certo? Já ela vem em passos teimosos, quase cômicos. Baixinha, seus cabelos em forma de tigela tem o topo branco e as bordas ruivas. Pescoço enrolado num esvoaçante cachecol vermelho, e corpo confortavelmente embalado por blusões de estampa florida, assim como sua bolsa a tiracolo. É a vovó moderna que eu sempre sonhei em ter. E é assim que começa Visages, Villages, filme dirigido em parceria entre o fotógrafo e muralista JR e a cineasta Agnès Varda em 2016 – ele então com 33 anos, ela com 88.

Trata-se de um passeio muito livre e divertido por pequenas vilas francesas, onde os dois realizarão um documentário cujo roteirista é o Acaso. O resultado é inspirador e cheio de ternura.

Dá pra falar muitas e muitas coisas sobre esse filme, mas vou focar em um aspecto. Aos 88 anos, Varda se permite viver o inesperado, trabalhar em parceria com novos artistas, criar obras que alcancem trabalhadores que dificilmente freqüentam as galerias. A certa altura, ela decide brincar com o filme de seu amigo Jean-Luc Godard, Bande à Part, de 1964. Nele, os 3 protagonistas correm numa velocidade ultra rápida na grande galeria do Louvre. JR e Varda tentam bater esse recorde de travessia do museu (tentativa já feita por Bernardo Bertolucci em 2003, com o seu Os Sonhadores). A corrida no entanto não é uma corrida de verdade: é passeio e brincadeira.














Godard surge na história graças aos óculos escuros de JR. Agnès se irrita as vezes: “você parece o Godard, sempre com esses óculos de sol! Não consigo ver seus olhos”. E então ela recupera um pequeno filme que rodara em 1961 com Jean-Luc e Anna Karina, onde o diretor francês aparece sem os óculos. Ela quer que JR o conheça. Durante o trajeto, surgem dúvidas sobre o que pode acontecer.




E, bem, o pior acontece. Godard fecha sua casa e não recebe a amiga. Deixa um curto e estranho bilhete onde dá a entender que encontrá-la o fará lembrar do amigo Jacques Demy (marido de Agnès, morto em 1990). Ele, o genial ermitão que há tempos perdeu a fé no cinema está trancado. O desconsolo dela é de partir o coração.

Para a história do cinema, Godard é infinitamente maior em relação à Varda. Não há como contestar. Mas, cá entre nós: que merda é ser um gigante em sua arte, se você não é capaz nem de receber uma velha amiga para um café.

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