Todos
conhecem La rencontre ou Bonjour M Courbet, tela pintada em 1854
por Gustave Courbet. Exposta em Paris, é compreendida imediatamente como a
imagem do imenso ego do artista, com um “orgulho monstruoso”. Com seu
equipamento de pintura e de viajante, portando um cajado em uma mão e chapéu na
outra, o artista encontra seu mecenas, Alfred Bruyas e seu criado. Sua postura
é altiva, sua cabeça se mantém erguida e a barba pontuda se evidencia. Do outro
lado, os dois senhores prestam veneração ao mestre. A postura do criado é ainda
mais intensa.
Me furto
dos detalhes para avançar em um ponto: a marcação da descrição das roupas. Na obra,
aqueles que precisam de uma sombra no mundo do conforto e das facilidades
burguesas portam roupas limpas e de qualidade aparente, os tecidos, os botões etc. O anel no dedo do sr. Bruyas chama a atenção, assim como seus impecáveis
cabelos e barba. A distinção dos mundos é evidente. Courbet, neste
sentido, possui uma verdade outra e pode ser constatada em duas vias: Na primeira
o artista se mostra como um andarilho que renega a sociedade, não se importa
muito com as diretrizes ou padrões que esta o impõe. Por outro lado, exibe a faceta
da superioridade. O pintor olha o mecenas de cima para baixo e encara as
figuras diante dele, o que não é recíproco. Não há nada mais alto nem maior que
o próprio Courbet na tela, a sociedade é fadada a encarar o pintor como alguém
que possui uma visão superior, mesmo transgressora, que pode transmitir uma
outra realidade diferente da vigente. A indicação aqui é uma sabedoria, é um
mundo único que só o artista conseguiria dar conta ou entrar em contato.
Enfim,
o que gostaria de salientar é que estes elementos passam diretamente, sem curvas,
pela vestimenta. A valorização no quadro está, claro, nas roupas pouco engomadas e
sujas de Courbet, o mundo que interessa é este, o da liberdade, diferente da
prisão confortável dos casacos limpos e engomados.
Esta
inversão pelas roupas (limpas e chiques como negativas, sujas e simples como
positivas) me parece uma constante cara à cultura. Da tradição na vontade de
ser o outro fora de um sistema fechado e imposto, as roupas fazem eco, seja
entre punks e góticos ou escritores, pintores etc. Assim são, em certa medida,
as comédias românticas. Tomemos como exemplo apenas dois filmes de dezenas que
poderiam estar certamente nesta lógica. Kissing
a Fool (1999), dirigido por Doug Ellin e Reality Bites (1994), de Ben Stiller.
Kissing a Fool, estrelado no momento forte
da carreira de David Schwimmer, mostra um triângulo amoroso, no qual ele faz o
papel de Max, um rapaz rico, descolado. Seu trabalho o deixa conhecido: apresentador
de televisão, em um programa esportivo. Se veste comme il faut, terno engomado, gel exagerado nos cabelos, não há um
fio que esteja fora do controle. Estabilidade financeira e tudo aquilo que
poderia ser encarado como um par perfeito. Mas os senões sempre existem, e em
comédias românticas são imperdoáveis. Mulherengo e inconsequente, Max é o negativo
de seu melhor amigo, Jay, interpretado por Jason Lee. Ele, escritor incipiente apaixona-se
verdadeiramente por sua editora. Tudo bem, salvo pelo fato que ela, Samantha (Mili
Avital), é a namorada deste seu amigo. Todos esses elementos se orquestram pelas roupas, e elas não
mentem:
Desleixado,
com os cabelos ao ar: livre.
Terno,
fechado em si, cabelos controlados.
Em
Reality Bites, seguimos a rotina de amigos de faculdade diante dos novos obstáculos da vida adulta. Entre esses amigos, dois sempre mantiveram intensa química amorosa, mesmo que nada tenha acontecido
entre eles naquele tempo. Winona Ryder interpreta Lelaina e Ethan Hawke, Troy. Ela
iniciando sua carreira de diretora, e ele um guitarrista sem muitas perspectivas
ou objetivos empreendedores na vida. O contraste vem do personagem Michael (Ben
Stiller). Ele é um executivo da MTV e acaba se apaixonando por Lelaina. Ele é o
corpo estranho da turma, chega depois e possui uma vida diferente dos demais. Não é de caráter
corrosivo, mas sua riqueza faz com que enxergue o mundo de modo bem diverso
daquele outro universo de Troy e Lelaina.
Mais
uma vez, o terno, o cabelo sempre bem aparado e a pequenez e miséria que só
o dinheiro poderia trazer para o caráter de uma pessoa.
Por
outro lado, o violão emana os tons verdadeiros de Troy. Sem a riqueza e os
padrões impostos por essa, ele se mostra autêntico.
Seja
como for, a simplicidade das roupas paulatinamente quer desvelar um aspecto mais puro e original. Elas possuem um caráter eufórico para os personagens “desleixados”,
diferente da disforia implícita nas roupas dos “almofadinhas”.
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