Os quadrinhos nasceram nas páginas dos jornais bem ali na
virada do século XIX para o XX, fazendo a diversão de adultos e crianças. Nas
sete décadas seguintes os títulos se multiplicaram e ganharam variedade,
expandindo dos jornais para as revistas de bancas, mas pouco se desenvolveu
formalmente. Caberia a um jovem artista forçar os limites dessa mistura de
desenho e texto divididos em pequenos quadrados e retângulos: Art Spiegelman,
que no último dia 15 completou 70 anos.
Spiegelman é sempre lembrado por Maus, seu célebre trabalho
contando a luta de sobrevivência de seu pai nos campos de concentração nazista
(ainda hoje o único quadrinho a receber o Pulitzer), mas suas experimentações
vanguardistas de início de carreira brincando com a linguagem é sem dúvida algo ao mesmo tempo
fascinante e bizarro, denso, seminal e muito pessoal.
Em janeiro de 1977, depois de anos mergulhado em LSD,
Spiegelman lança Breakdowns, coletânea de seus trabalhos experimentais que
haviam saído em pequenas publicações underground. Com formato grande,
acabamento de luxo, capa dura, era o tipo de livro que ninguém esperava e que
ninguém queria comprar ou ler. Fracasso absoluto de vendas, teria que esperar
muitos anos pra ver sua influência ao mudar os rumos das histórias em
quadrinhos. Sobre seu eu jovem, ele escreveu:
“Naquela cena underground de quadrinhos que se gabava de quebrar tabus, ele estava quebrando o último que restava: ousou classificar-se como um artista e chamou o seu meio de arte. Embora as duvidosas páginas reunidas por esse tampinha arrogante estejam entre os primeiros esboços que levaram os quadrinhos para o interior das livrarias, bibliotecas, museus e universidades, não se tratava de uma aposta consciente para obter respeitabilidade cultural. Quando os cartunistas underground libertaram seus demônios quadriculados no meio alegremente vernacular dos quadrinhos, ele pôde se concentrar na gramática desse idioma e mirou em seus próprios demônios. Alta e baixa cultura. Palavras e imagens. Forma e conteúdo. Pode soar seco e acadêmico, mas – diabos! – para mim, naquela época, era questão de vida ou morte”
Este ano as discussões sobre mapeamento e limites da
linguagem dos quadrinhos foram reacendidas pela publicação da revista Baiacu,
pela editora Todavia, editado pelos míticos Angeli e Laerte. Reunindo uma dúzia
de artistas visuais, todos os trabalhos buscam novos caminhos e cruzamentos
possíveis, muitas vezes rompendo com as definições tradicionais do que seria
uma hq. O que me parece uma tendência contemporânea, facilmente percebida nos trabalhos apresentados em
feiras de publicações como a Dês.gráfica e a Miolo(s), onde os quadrinhos tem
muito mais a ver com arte gráfica que com os famigerados gibis.
Quarenta anos depois de seu lançamento, Breakdowns e seu
autor continuam mais atuais que nunca.
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