A vibração do impressionismo

 Foi uma reforma determinante e radical. Finais do século 18, com David, com a então chamada "pintura regenerada", que os historiadores batizaram de neoclássica. Dela resultou uma consequência forte: a abolição do movimento. A pintura francesa nunca mais se libertaria da imobilidade. De O juramento dos Horácios aos cubistas, pelo menos, tudo é construção, nada é dinâmica. Há pouquíssimas exceções: Daumier, Toulouse-Lautrec. Os esforços de alguns para reencontrar o movimento não resultaram em dinamismo, mas em equilíbrios e tensões (Gericault, Delacroix e, mesmo, Degas). Os pégasos voadores de Tiepolo, os balanços de Fragonard, as tempestades desencadeando-se de Turner não são possíveis aqui.

Resulta que o impressionismo é uma arte de vibrações, mas não de movimento.


Claude Monet - Rue Saint-Denis embandeirada - Museu de Ruão - 1878




Claude Monet - La rue Montorgueil em Paris - Festa do 30 de junho de 1878 - 1878




Em 1878, Monet pintou duas ruas enfeitadas com bandeiras francesas. Não era a festa do 14 de julho, mas uma outra, ligada à abertura da exposição universal naquele ano. Seja como for, são imagens repletas de patriotismo e de sentimento nacional.

O tema das bandeiras permite captar não o movimento, porque elas não voam soltas. Dispostas ordenadamente, o artista obtém com elas as vibrações do tecido bem seguro num mastro. Vibração sobretudo das cores azul, branco e vermelho, intensas na rue Saint-Denis, delicadas na rue Montorgueil, que respira em espaço mais amplo, as três cores pousando discretas sobre as paredes amarelo-esverdeadas. Em tudo, as células cromáticas se agitam sem se deslocar.




Raoul Dufy - A rua embandeirada - 1906 - Centro Georges Pompidou





Albert Marquet - 14 de julho no Havre -  1906 - Centro Georges Pompidou





Em 1906. Marquet passou uma temporada com seu amigo Dufy no Havre. Pintaram juntos, muitas vezes o mesmo tema. Duas telas que hoje estão no Centro Georges Pompidou revelam o cansaço com as formas dissolvidas pelas pinceladas, que o impressionismo tornara um sucesso. As bandeiras, aqui, não tremulam ao vento. No quadro de Dufy elas lembram mesmo painéis coloridos que têm o mesmo rigor geométrico das janelas nas casas.



O 14 de julho de Fernand Léger atinge extremos. Grandes hastes retesadas, rígidas, azuis, brancas e vermelhas, são limitadas por contornos espessos e geométricos, Sugerem pontas agressivas que ondulam. Léger pintou este quadro em 1914, poucos dias antes de que a 1ª guerra mundial se desencadeasse e ele próprio fosse mobilizado. 



Fernand Léger - 14 de julho - 1914 - Museu Fernand Léger de Biot



São quadros, todos, diurnos. Mesmo o de Léger, com sua luz clássica e abstrata. O que parece bastante lógico para quem quer buscar os efeitos pictóricos das bandeiras. Mas nenhum francês buscou os efeitos pictóricos dos fogos de artifício, tão clássicos na festa do 14 de julho. Não quiseram retomar as trajetórias efêmeras das luzes que explodem dentro da noite.


James Abbot Mcneill Whistler - Noturno em negro e ouro – o foguete cadente 1875 - Instituto de Artes de Detroit


O mais célebre quadro figurando fogos de artifício não foi pintado por um francês, mas por um norte-americano de cultura britânica, que vivia na Inglaterra: James Abbot Mcneill Whistler. Havia, em Londres, no distrito de Chelsea, uma vasta área verde, Cremorne Gardens. Ali, durante o verão, davam-se espetáculos pirotécnicos. Um deles inspirou o quadro de Whistler. Quadro insultado pelo teórico, historiador e crítico das artes John Ruskin, como sendo uma lata de tinta atirada no público. O pintor processou o crítico, ganhou, mas ficou com a carreira comprometida.


Numa atmosfera espessa, as luzes explodem e percorrem uma trajetória mágica de ouros, azuis e verdes escuros. As pessoas, no primeiro plano, são transparentes. Sutil distinção entre a água e o céu. Chuva etérea de pontos luminosos. Sentimento de ascenção e queda.  Whistler assina com caracteres japoneses, um modo de agradecer sua dívida para com mestres como Hokusai.


Está claro, nada há aqui de patriotismo e festa nacional.


De fato, o único francês a ter pintado os fogos do 14 de Julho foi um músico: Claude Debussy. 

Debussy, pelo espírito de sua música, é mais próximo dos mistérios noturnos e luminosos de Whistler do que de toda a pintura impressionista. 

Porém, como sabemos que se trata da evocação sonora da festa nacional, já que a obra se chama apenas Fogos de artifício

É preciso esperar pelo fim. Depois de as teclas rodopiarem em percursos cintilantes, explodindo em acordes, ouvimos, soltas, discretas, algumas notas de A Marselhesa.


Ouça aqui esta obra interpretada ao vivo por Vladimir Viardo no Rio de Janeiro em 1996.
https://www.youtube.com/watch?v=HpbSkhTnjag

Comentários

  1. Nossa, mas este Debussy está com um aspecto "construtivo", muito menos aéreo que em "Clair de lune".

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