As gravuras roubadas

Emil Bausch -  Ponte da Boa Vista - 1852



O mercado das artes é pior do que o de carros usados. Falsificações, roubos, maquiagens, tudo vale para iludir o cliente. Uma pocilga, como diria vovó Charlotte.

Nesse meio, o tráfico de obras surrupiadas por larápios é intenso. Quando são de altíssima qualidade e de valor financeiro muito elevado, a regra é que sejam reencontradas. Há exceções, está claro, mas como são muito conhecidas e reproduzidas, não podem ser comercializadas discretamente. Com alguma frequencia, os ladrões terminam sendo descobertos ou mesmo acabam desistindo, deixando os objetos em qualquer lugar, de modo a serem reencontrados.

No Brasil, o roubo mais célebre desse gênero ocorreu no MASP, em 2007, quando foram levados O Lavrador de Café, de Cândido Portinari, e O Retrato de Suzanne Bloch, de Pablo Picasso. Não demorou muito para que a polícia descobrisse as telas e os ladrões.




Ficando nas obras de grande calibre, creio que o caso internacional mais espetacular de um roubo recente  foi o da Saliera de Francisco I, esculpida por Benvenuto Cellini, e conservada nas coleções do Kunsthistorisches Museum de Viena. Ocorreu na noite do 10 para 11 de maio de 2003,  e foi reencontrada em 2006.



Não é o caso das litogravuras de Bausch, que fazem parte de um álbum publicado em 1852. Elas apresentam um extraordinário interesse iconográfico e documental para a cultura brasileira e são de alta qualidade artística. Mas é muito evidente que não possuem a projeção dos exemplos que citei acima. Além disso, litos são múltiplos. Há vários exemplares da mesma imagem, o que facilita o comércio desonesto. É sobretudo neste nível que encontramos a pocilga. 

Os jornais noticiaram hoje que peritos confirmaram a origem fraudulenta dessas gravuras, surrupiadas da Biblioteca Nacional. Que elas se encontrem numa coleção tão importante como a do Itaú surpreende. O caso inclui uma história obscura envolvendo o ex-marido de uma herdeira do banco, comprador das gravuras.  Ela nos alerta para um ponto.

No Brasil, os promotores das artes plásticas são ricaços. Ok, nos EUA também. A diferença é que, lá, eles não metem o bedelho nas instituições responsáveis pelos acervos, ou muito menos que nestes trópicos. Aqui, tais instituições são a base para um trono de vaidades incompetentes onde se sentam bundas milionárias. Está bem, sem exagerar, nem todos. Quase todos. Com isso se cria a mixórdia entre o pessoal e a instituição (para não mencionar a que ocorre entre o público e o privado, em casos de almálgamas inextricáveis). Há colecionadores que se acomodam muito bem com obras de origem obscura. O problema é quando elas vão parar em instituições oficiais.

Na notícia de hoje, dada pela Folha, há uma declaração curiosa de Helena Severo, a presidente da Biblioteca Nacional: "É um momento difícil, até doloroso, mas a restituição é o grande ganho".

Como assim, momento difícil e doloroso? Difícil e doloroso foi quando, em 2004, as litogravuras de Bausch foram abiscoitadas da Biblioteca.  Quando um álbum de imagens que medem 29 x 54 cm pôde ser levado por um gatuno. E, se é ótimo que elas voltem para a grande instituição pública que é a Biblioteca Nacional, não se trata de ganho, mas de justiça.







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