O título deste quadro é Os três mosqueteiros. Foi pintado por voltas de 1630, o que corresponde ao período das aventuras contadas no romance escrito por Alexandre Dumas 200 anos depois. Romance que me acompanha desde a adolescência, que eu releio sempre, sobretudo nos momentos mais depressivos da existência. Quadro, portanto, que fez o coração bater. Inda mais que é notável.
Estamos na seara do caravagismo. Na órbita dos bamboccianti, pintores flamengos, holandeses, italianos e franceses que produziram, em Roma, cenas pitorescas, populares e triviais. É um quadro soberbo. Apareceu no catálogo de um leilão em Paris, casa Artcurial, que deverá ocorrer dia 21 de março. É anônimo. A ficha diz: "Escola francesa por voltas de 1630 - Três mosqueteiros à uma mesa - 134 x 203 cm. Proveniência: coleção particular, castelo próximo de Aix-en-Provence." Avaliado entre 80000 e 120000 euros.
A composição, solidamente plantada nas ortogonais e oblíquas, tem a energia dinâmica dos gestos, movimentos e contrapostos, que o ritmo dos chapelões e dos pratos acentua. A intensidade da vibração cromática vem da concentração dos efeitos de amarelo e vermelho na figura iluminada, de costas, em primeiro plano.
Detalhes são integrados e afirmados pela qualidade da luz e da matéria expressa:
O garrafão de vinho.
A natureza morta sobre a mesa.
A taça transparente que eleva o olhar.
O rosto inquieto.
Brancos e negros na roupa do centro.
Os especialistas de Artcurial sugerem uma origem francesa para o quadro, o que parece muito plausível pela qualidade estrutural da composição. Navegam entre nomes elevados: Nicolas Tournier e Simon Vouet. Terminam por uma saída menor, Jacques de Letin, mas sem grande convicção.
Outra obra, na mesma venda, que chama a atenção: A morfina, ou As morfinômanas, de Georges Moreau de Tours.
O artista caiu no esqucimento. Parece injusto, pelas evidentes qualidades que sua tela apresenta: acordes cromáticos nos tons claros; integração nos brancos quebrados da moça recostada no grande travesseiro; energia no contraste com os negros daquela de pé, mostrada em ação; linda escapada visual para o fundo, revelando verdes.
Para além da beleza pictórica, o quadro surpreende pelo tema. Elegância do ambiente e uso da morfina. Georges Moreau era filho de um médico e cientista, um dos primeiros a ter estudado o efeito das drogas (ópio, maconha, morfina) sobre o psiquismo e a saúde. Isso por voltas dos anos de 1840.
A ficha do quadro é a seguinte: As morfinômanas ou as morfinadas. Assinado Moreau (de Tours), 160 x 220. Proveniência: permaneceu na residência do artista até os nossos dias. Não puseram data. Uma busca rápida teria auxiliado: a obra foi publicada no peródico Le Petit Journal em 1891.
Na mesinha, o estojo de seringa e Os paraísos artificiais de Baudelaire.
A auto-aplicação.
Não se trata de um leilão com itens milionários. O lote mais alto é avaliado em 400000 Euros. As obras são, no entanto, bem escolhidas. Pinço, meio ao acaso, apenas mais uma que me seduziu. Um pequenino guache, de 8 x 5,20 cm, miniatura ilustrando o Anúncio feito aos pastores, situado em torno de 1500 e avaliado entre 1500 e 2000 euros. Chuva de raios de ouro sobre carneiros assustados, gestos poderosos e convincentes dos pastores, cidade dourada no fundo.
Para quem quiser dar uma olhada (belas obras de Tournier, Le Brun, desenhos de Delacroix, entre outras) clique aqui.
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