Comparatismo é uma prática bem
sedimentada na história da arte. São incontáveis os grandes historiadores centrados
em diferentes análises que iluminam seus objetos por essa vertente. É uma via
dupla, aliás. É sabido e potente: quando se compara, o objeto estudado cresce, é
incidido sobre ele conhecimentos que provavelmente seriam complicados sem tal
procedimento. Ao mesmo tempo, a outra ponta da análise também se ilumina, passamos a conhecer melhor
os dois polos da relação. Assim atuaram Thuillier, Longhi,
Malraux, Praz, entre tantos outros.
Famosas são as passagens no estudo
sobre Piero della Francesca na qual Roberto Longhi insere Seurat e Cézanne para
compreender a obra do artista de Sansepolcro ou as relações propostas por André
Malraux no Museu Imaginário. Ali a
ideia da reprodução, da fotografia e a consequente produção e análise
proliferada de detalhes ganham lugar de destaque. A história é tão longa quanto
a própria disciplina. Sob a direção de Marc Bayard a obra L’histoire de l’art et le comparatisme, abarca algumas dessas
vertentes. Pode ser, e certamente é incompleto, mas fabuloso o modo no qual
diferentes interpretações de autores díspares se unem por essa característica.
Lemos na abertura de Bayard:
Assim, em razão do fato que a apreciação de uma obra só pode se fazer por um julgamento analógico, esta disciplina suscita a comparação.
A conversa poderia ir para outro lado, dos métodos ou das práticas, mas deixemos de lado, por agora.
Hoje, ninguém duvida, o
ressurgimento da obra de Warburg – de maneira tardia no Brasil – reacende as discussões, o comparatismo mesmo nunca
saindo de cena, ganha os holofotes de muitos pesquisadores, de áreas diversas.
Grécia, século V. Afrodite de Palatin. |
Anjo. França século XIII. |
Mas o ponto é outro, um
historiador em nossos dias démodé, para alguns absolutamente desconhecido: Elie
Faure. No entanto, ele foi sistematicamente traduzido para o português. Mesmo
sua obra Função do Cinema e das outras
artes (português de Portugal, é verdade), voltado para o cinema, está
disponível em nosso idioma, fato raro.
O seu livro L’esprit des formes, de 1927 é para ser relido, com devida atenção. Há certa vontade de abarcar uma história das
formas que se assentam nas esculturas, arquiteturas, pinturas etc, mas o estilo
de Faure é movediço e por vezes parece mesmo perdido dentro de movimentos
espiralados de seu texto.
Mas é inegável a compreensão das superfícies
como uma energia, lembra Warburg, e a erupção de formas que ganham corpo em
outras culturas, em outros tempos. A vida das formas (para lembrar Focillon) é
regida por um mesmo espírito que pode ser visto nas mais diversas
manifestações. Assim, a escultura grega do séc. V pode ser posta lado a lado
com aquela francesa do séc. XIII. As análises são anárquicas e as imagens em
seu livro tem uma vida à parte diferente daquela do texto.
O espírito das formas é um. Ele circula no interior delas como o fogo central que corre no centro dos planetas e determina a altura e o perfil de suas montanhas segundo o grau de resistência e a constituição do solo.
Ele foge de ligações, ao menos
não as diz, citações diretas, prática comum. Intenta, por sua vez, à categorias
como pintura melódica ou pintura sinfônica, aparentemente
antagônicas, para depois aproximá-las pelo espírito.
Fra Angelico. Coroação da virgem. 1440-1441 (detalhe) |
Rubens. A caça de Meleagro e Atalanta. |
É isto, e nada além disto [a passagem sutil da escultura à música] que separa a pintura sinfônica organizada pelos venezianos e representada em seu cume por Rubens, Rembrandt e Velázquez, da pintura melódica realizada pelos primitivos. Em linguagem geométrica estes se exprimem por uma curva e aqueles por uma esfera.
Mesmo de primeiro momento
abstrato, o pensamento de Faure nesta obra é potente e, quando acostuma-se, de
certo modo didático.
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