Arte e ciência

Houve uma época em que a arte foi seduzida pela ciência.

Auguste Biard - A caça às morsas pelos groenlandeses em mar polar - 1841 - Musée du Chateau de Dieppe


Isso ocorreu aproximadamente na segunda metade do século 19 e inícios do século 20. O cientificismo, a crença em uma ciência todo poderosa, o positivismo, conduziram muitos criadores a posturas que consideravam como científicas. O naturalismo inventou uma literatura sociobiológica, ou biossociológica. Os pontilhistas, ou divisionistas, entre outros, regravam-se por leis óticas. Pouco importa se isso tudo era pouco mais ou menos fantasioso e falso. Acreditava-se nesse rigor da ciência.

Outros propunham-se a produzir verdadeiros documentos científicos. Assim, Auguste Biard, incansável pintor viajante, que esteve um bom período no Brasil, foi para a Groenlândia, e executou quadros com fabulosas paisagens de gelo, de formas surreais, ao mesmo tempo que figurava a caça em meio a essas ondas congeladas. 

Outros criaram obras didáticas, como Oscar Pereira da Silva, em 1886, com seu A Palavra aos Surdos-Mudos, que está no Museu Nacional de Belas Artes.




Podia-se também figurar, artisticamente, situações exóticas, com o cuidado de reproduzir tipos físicos e detalhes autênticos. Louis-Ernest Barrias, excelente escultor, realizou Os caçadores de crocodilos ou Os Núbios, (1984) cujo gesso está em Orsay, e o bronze foi destinado a ornar o Museu de História Natural de Paris.



Barrias, por sinal, concebeu a mais bela alegoria positivista que se possa imaginar, A Natureza que se descobre para a ciência (1899 - Musée d'Orsay). Foi encomendada pela nova Faculdade de Medicina, da cidade de Bordeaux.




Fernand Cormon especializou-se na pré-história. Pintou um enorme Caim fugindo com sua família (1880), Musée d'Orsay, em que a história bíblica se torna laica. Todas as referências religiosas são excluídas, e a cena propõe uma visão épica das grandes migrações naquelas eras recuadas.



Cormon criou também soberbas decorações, de dimensões colossais, reconstituindo cenas "autênticas" da humanidade em seu passado remoto. Fez isso para a sala de arqueologia comparada do Musée d'Archéologie de Saint Germain en Laye. Abaixo, seu Retono de uma caçada ao urso. Idade da pedra polida (1883).




Cormon foi um esplêndido colorista e desenhista. Um estudo para a figura da velha sentada mostra a força de seu traço, e nos faz lembrar que ele, mesmo brevemente, foi professor de van Gogh.



Um caso singular é o da escultura Gorila raptando uma mulher, 1859, de Emmanuel Fremiet. No Salon daquele ano era exposta por trás de uma cortina, porque foi julgada obscena. Animalidade, sexo, selvageria, o tema era chocante. A estátua, realizada em gesso, foi destruída em 1861.




Em 1887, Fremiet volta ao tema. 30 anos depois, a nova versão do rapto não causa escândalo, mas sucesso. O gorila é executado com grande realismo.



Fremiet queria que o estado a comprasse para o Museu de História Natural de Paris, mas não conseguiu a venda. Um amador americano financia a fundição em bronze, assim como réplicas pequenas, destinada a colecionadores. A obra fez furor nos Estados Unidos. Ela instaura e propaga a idéia do grande símio atraído pela beleza feminina. Está aí a origem de um poderoso mito cinematográfico.


Não existe, até hoje - pelo menos no meu conhecimento - um estudo aprofundado e amplo sobre esse namoro entre arte e ciência, que deu resultados numerosos e complexos.

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