Hilda Hilst e o Unicórnio



Depois da decepção de Hilda Hilst Pede Contato, fui ver Unicórnio com o pé atrás. Trata-se de uma adaptação bem livre dos textos O Unicórnio, segmento de Fluxo-Floema, e Matamoros, que integra o livro Tu não te moves de ti. Reitero a questão da adaptação livre, o que não indica que o diretor aptou por mudanças no texto, mas sim pela forma da abordagem empreendida na adaptação.

O roteirista e diretor Eduardo Nunes deixa de lado o texto prolixo e cheio de vozes de Hilda e vai em busca de filmar sensações, estados de alma. É uma tentativa de adaptação que não adapta a poesia escrita, mas que cria poesia em imagem. O resultado é bem interessante.

O conto O Unicórnio é a primeira ficção da Hilda. A sua obra - até então - era toda voltada para a poesia. E claro que essa poesia acaba invadindo toda prosa que a Hilda criou durante a sua vida. É um texto que, mesmo quando em forma de prosa, não está baseado numa ação física, mas numa série de sensações. Eu não acredito que seja possível adaptar a obra desta autora na forma clássica como entendemos uma "adaptação cinematográfica"; acredito que seja possível adaptar apenas o que o texto nos provoca. A matéria-prima da Hilda Hilst é de uma natureza muito delicada. E talvez a única forma de fazer esta transposição é estar imbuído destas sensações, para depois buscar nos elementos do cinema, a composição de um filme com este sentimento. (Eduardo Nunes)


É um filme onde se fala muito pouco. E onde as ações se dão num tempo muito próprio. Há essa casa no meio de uma colina, um lugar meio mágico, cheio de cores e ventos. Nele vivem mãe e filha. Esses momentos são entrecortados pela conversa da filha e seu pai, numa sala azulejada de um sanatório. E a horas tanta aparece um homem ali pela propriedade, que acaba por fazer parte da rotina das duas.



No elenco, Patrícia Pillar está ótima como a mãe, assim como Zécarlos Machado como o pai (pena que aparece pouco, pois é um baita ator). Mas a menina estreante Bárbara Luz é quem mais impressiona, já que a narrativa traça seus caminhos a partir dela. A fotografia deslumbrante carrega nas cores primárias, que remete aos antigos filmes coloridos em technicolor. Vale ressaltar também o uso da janela 1:3,66 e sua imagem horizontal e panorâmica, o que faz pensar em algumas cenas do Napoleão de Abel Gance, projetado com três câmeras paralelas para deixar a imagem mais larga.

Talvez essa screen não dê conta de demonstrar, mas acredite: ver uma imagem tão larga no cinema é impressionante.

Uma das cenas finais de Napoleão, de 1927.


É um filme fortemente cinestésico e que exige que seu espectador o sinta, mais que o racionalize. Como bem colocou o diretor, "o entendimento deste filme passa pelas sensações que ele provoca. Por uma experiência imersiva".

Saí do cinema meio zonzo. Experiência intensa, que merecerá uma revisão, sem dúvida. De fato, e enfim, um filme à altura da prosa poética de Hilda Hilst.


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