Vulgo mulher

Em 1843, a justiça do Canadá condenou um homem e uma mulher por dois assassinatos. O homem foi executado. A mulher, tamanho seu magnetismo, acabou sendo poupada.



A história é verdadeira e os motivos do perdão são discutidos até hoje.


Em 1996, Margaret Atwood tomou o enredo e publicou um romance, Alias Grace (Vulgo Grace), de grande sucesso. O romance inspirou uma minissérie de TV, dirigida por Mary Harron, roteirizada e produzida por Sarah Polley. Os seis episódios estão disponíveis no Netflix.


Há sinopses em diferentes sites. Recomendo este, com insight de Caio Delcolli.

As qualidades da série são muitas: imagens, narrativa e som impecáveis; excelentes direção, edição e atuações de um elenco com Anna Paquin e o diretor David Cronenberg, este quase irreconhecível e em performance fabulosa.



Três pontos, porém, estão entre os mais relevantes.

Primeiro, não se tratando propriamente de um whodonit, a série é capaz de segurar o espectador até o final na tentativa de desvendar os segredos e mistérios do caso.

Segundo, o século XIX transpira em todos os episódios, misturando-se de forma nada forçada com questões de hoje, como as tragédias que resultam da migração humana em massa e do aborto clandestino.

Terceiro e talvez o mais importante: o tratamento livre de moralismos e ao mesmo tempo atento à complexidade própria de cada dilema. Em outras palavras, não há dúvidas de que a série tenha um posicionamento, mas não há espaço para panfletagem. Aspectos fascinantes são bem explorados nesse sentido, como as relações entre patrões e empregados (à maneira de Shakespeare), o fluir dos sentimentos de culpa (como em Dostoievski) e de homens e mulheres (sobretudo mulheres) com seus desejos e em busca de um lugar justo.


Alias Grace, a série, foi feita por muitas mãos e cabeças. Sua maior responsável, no entanto, é Sarah Polley.


Polley é também uma atriz excepcional, capaz de atuar em filmes tão distintos quanto o sublime Minha vida sem mim (2003), de Isabel Coixet, e Madrugada dos mortos (2004), de Zack Snider, uma das obras primas sobre zumbis deste século.


Comentários

  1. Post muito assertivo! Uma minissérie instigante, que como descrito por Alex Miyoshi, segura o espectador até o final.
    O segundo episódio, foi um dos que mais me tocou. Relata o drama vivido por uma jovem (século XlX), que se encontra em uma situação de risco, após ser forçada pelas circunstâncias a realizar um aborto em uma "clínica" clandestina.
    As cenas são dramáticas e pensadas em seus mínimos detalhes. Transmitindo a dor, a angústia, o sofrimento e as dúvidas da personagem. Cenas que causam perplexidade e nos levam a uma análise profunda. Me fez pensar de forma mais ampla sobre o tema, me levando à reflexões sobre como preservar a vida de ambos, e questionar-me sobre o papel do homem (pai) nesse contexto.
    O drama relatado de forma fictícia, infelizmente, é a realidade de muitas mulheres ainda nos dias de hoje.
    Sobre o todo:
    Prefiro a versão de que a falta de crença na sua própria intuição e o medo de arriscar, condenou Dr. Jordan a viver na sombra dos seus desejos em vislumbrar uma vida que ele poderia ter vivido.

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