Os filhos dos infames serão salgados no fogo

DOSSIÊ FILMES SOBRE DITADURA BRASILEIRA. II - MANHÃ CINZENTA, DE OLNEY SÃO PAULO, 1969.



Hoje vou falar de um curta experimental lançado em 1968/1969 um tanto desconhecido. Tem 22 minutos, e pode ser visto no youtube em boa qualidade:



Um pouco sobre seu diretor: Olney Alberto São Paulo nasceu em 1936 na Bahia. Sua ligação com o cinema começa em 1955, quando Alex Viany foi a Feira de Santana filmar o episódio ANA para o longa ROSA DOS VENTOS. Olney acompanhou toda a filmagem e atuou como figurante. Começou a produzir seu primeiro curta neste mesmo ano, finalizado em 57, UM CRIME NA FEIRA, com dinheiro coletado com amigos. Também escrevia contos, colunas em jornais locais e tinha seu programa de rádio, além de dar aulas de contabilidade (é preciso pagar as contas, certo).

Fato curioso: em 1958 foi baleado pelas costas pelo amigo Luiz Navarro. Acontece que os dois estavam apaixonados pela jovem Maria Augusta, e disputavam seu amor. Navarro afirmou que foi um acidente. A bala perfurou o pulmão esquerdo de Olney. Sem dúvida, a monogamia mata.

Em 1961 se dá seu primeiro contato com o Cinema Novo: Nelson Pereira dos Santos vai a Feira de Santana afim de realizar VIDAS SECAS, mas em decorrência das chuvas acaba fazendo MANDACARU VERMELHO. Olney atuou como continuísta, assistente de direção, produção, e fez figuração. Os dois tornaram-se grandes amigos.

Em 1964 lança seu primeiro longa, O GRITO DA TERRA, que retratava a realidade do nordeste brasileiro. Circulou bem em festivais do país, mas a censura federal cortou um trecho em que um personagem mencionava a volta do cavaleiro da esperança (referência a Luiz Carlos Prestes). Por conta do corte o filme não pode participar de festivais internacionais. 

Foi então que resolveu adaptar um de seus contos, integrando na montagem as filmagens de José Carlos Avellar de uma manifestação de estudantes no Rio, em 21 de junho de 1967, cujo saldo foi mil presos, 57 feridos e 3 mortos. Assim nasceu Manhã Cinzenta. Olney não era trouxa, sabia que a censura dos milicos iria querer picotar o filme. Após uma sessão especial no MAM do Rio para amigos e cineastas, o diretor fez cópias do curta e mandou pra diversos cineclubes e festivais mundo afora. Dito e feito: o filme teve sua exibição proibida no Brasil, com o rótulo de subversivo.

Mas o grande azar do nosso amigo estava por vir. O MR-8 sequestrou seu primeiro avião na manhã de 8 de outubro de 1969, desviando-o para Cuba. Um dos membros do grupo era um cineclubista, e "Manhã Cinzenta" foi exibido no vôo. Olney foi então vinculado pelos militares ao sequestro, sendo detido e levado para local ignorado, onde foi torturado por 12 dias. Foi solto e logo internado por suspeita de pneumonia, muito debilitado psíquica e fisicamente.

O filme desapareceu, todas as cópias conhecidas foram destruídas. Mas 25 anos depois uma cópia foi encontrada no MAM. O IMDB diz que a metragem do filme é de 40 minutos, mas a única versão existente é essa de 22 minutos. 

Ainda dirigiu alguns curtas e mais um longa. Morreu vítima de câncer de pulmão, em 1978, aos 41 anos.

Mas falando um pouco sobre MANHÃ CINZENTA: legítimo cinema de invenção. Entre o cinema novo e o udigrudi. Não há uma história linear, há cacos grudados que montam um painel alegórico de um regime autoritário, narrando um golpe militar num país latino americano. Um grupo de jovens se questiona sobre o que pode ser feito, e dois deles são torturados e sofrem um inquérito, cujo juiz é um robô.








Glauber Rocha, em seu Revolução do Cinema Novo afirmou ""Olney é a Metáfora de uma Alegorya. Retirante dos sertões para o litoral – o cineasta foi perseguido, preso e torturado. A Embrafilme não o ajudou, transformando-o no símbolo do censurado e reprimido. "Manhã Cinzenta" é o grande filmexplosão de 1968 e supera incontestavelmente os delírios pequeno-burgueses dos histéricos udigrudistas (...) Panfleto bárbaro e sofisticado, revolucionário a ponto de provocar prisão, tortura e iniciativa mortal no corpo do Artysta."

Vejam. Embora experimental, uma pérola.

PS.: deixo o documentário SER TÃO CINZENTO, feito por Henrique Dantas em 2011, que exuma de forma bem interessante o curta de Olney, com várias entrevistas com pessoas ligadas a produção.



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