A Democracia da Tortura

DOSSIÊ FILMES SOBRE DITADURA BRASILEIRA. V - BRAZIL: A REPORT ON TORTURE, DE SAUL LANDAU E HASKELL WEXLER, 1971.



"Brasil - Um Relatório sobre a Tortura" é um documentário realizador por dois cineastas americanos, Saul Landau e Haskell Wexler. Na wikipédia consta que eles foram codiretores, sendo a realizadora Hannah Eaves, mas nada consta no IMDB.

Saul Landau foi um ativista, jornalista e documentarista, dirigindo dez filmes com forte teor político (seu primeiro filme foi um registro de Fidel Castro em 1971). Haskell Wexler é mais conhecido como diretor de fotografia (de filmes como Um estranho no ninho e Quem tem medo de Virgínia Woolf), mas também dirigiu alguns, grande parte políticos. 

Os dois estavam no Chile para entrevistar o presidente Salvador Allende (que resultou neste filme aqui) e, enquanto esperavam para marcar a entrevista, ficaram sabendo da chegada de um grupo de 70 brasileiros que seriam exilados no Chile, e que haviam sido torturados pelo regime militar instaurado em 1964. 

Foram então realizadas entrevistas em primeira mão com alguns dos 70 brasileiros em janeiro daquele ano. Eles haviam sido libertados em troca do embaixador suiço Giovanni Bucher, sequestrado no final de 1970 no Rio de Janeiro pelo guerrilha armada da VPR. Nelas são mostrados entre os depoimentos pessoais de sevícias sofridas pelos presos no Brasil, a simulação de torturas encenadas por eles mesmos. O filme foi realizado com câmera na mão e com fotografia crua, sem retoques, num misto de português, inglês e portunhol. O caráter de urgência é evidente.

A seguir o filme, que pode ser encontrado facilmente no youtube.



Logo no início os militantes fazem a demonstração do pau-de-arara. A clareza da reencenação é desconcertante, incômoda. Alguns brincam com a macabra inversão de papéis. Eles relembram os companheiros que morreram por não entregar nenhum dos camaradas.


O primeiro depoimento é de Maria Auxiliadora Lara Barcelos, de 25 anos, que sofreu diversas torturas no DOPS, incluindo torturas sexuais. Há um elemento perturbador em sua fala, que é um riso que vem com certa constância e que não quebra a tensão, mas a intensifica. A forma como ela descreve as torturas que sofreu durante dois meses tem um tom de muita naturalidade, fiquei com a impressão de que mesmo os milicos não foram capazes de quebrar seu espírito.

Maria Auxiliadora Lara Barcelos se matou em 1976 em Berlim.


Em seguida fala Nancy Mangabeira Unger, de 23 anos, que mostra as marcas de bala que tem pelo corpo. Ela diz ao repórter em inglês:“Não sei como nos encontraram, nunca me explicaram, mas a polícia chegou 4 horas da manhã. Eu acordei com tiros nas janelas. Eram 20 homens com metralhadoras, revólveres e pistolas. Eu levei tiros nos pulmões, fígado e na mão”. 


Os militantes então fazem uma demonstração de tortura em que o torturado fica sem roupa e amarrado de cabeça para baixo. Eles contam que são colocados fios desencapados no ânus, vagina e membros. Em toda a parte sensível do corpo. 


Há também depoimentos de Frei Tito, 25 anos, da ordem dos dominicanos, preso pelo esquadrão da morte e levado ao DOPS, que ouviu de um torturador que:“É preciso que passem todos os brasileiros pelo pau-de-arara para sabermos quem é patriota e quem não é”. Tentou cortar as veias do braço no final do terceiro dia para fugir da intensa tortura a qual foi submetido.

Frei Tito se matou em 1974, na França.


Sonia Yessin Ramos, 23 anos e militante do MR-8 fala de algumas táticas de luta de seu grupo e sobre a violência nas prisões, com grande objetividade e clareza.


Há um outro sujeito que não se identifica, mas fala, dentre outras coisas, de um médico chamado doutor Coutinho, que observava as torturas e dava soro aos militantes que desmaiavam para que eles continuassem acordados, pois inconscientes os torturados não podem sentir dor.


Há também o impressionante depoimento do advogado Antônio Expedito Pereira, 40 anos, preso por 2 anos sob a acusação de defender os presos e acusados políticos. Os policiais chegaram em seu escritório e pediram todas as informações que os militantes haviam lhe confidenciado. Como se recusou a dar as informações, ele e toda sua família, foram presos e torturados em sua frente, incluindo sua esposa, seus três irmãos e sua filha de 10 anos. 


Em seguida há um depoimento muito emocionante, onde um militante conta a história de um amigo de infância - foram escoteiros juntos - e que após ser preso e torturado com choques elétricos, desenvolveu epilepsia e hoje tem todos os membros paralisados, sendo incapaz de pronunciar uma palavra inteira sem dificuldades.


Depois o casal de militantes José Dias Nascimento, 27, e Jovelina Tonello do Nascimento, 33, contam que foram torturados publicamente. Após o levarem para o cárcere chegou sua mulher e seu filho, que foi obrigado a assistir o pai sendo torturado (um relato horrendo). A mulher foi muito torturada na frente do marido, para que ele desse as informações que os milicos queriam.


Após algumas das demonstrações, temos a cena final com Maria Auxiliadora andando por uma favela chilena e falando sobre o trabalho que desenvolvia nas favelas brasileiras, e agora nas comunidades do Chile.


 Ao fim, os seguintes dizeres em inglês:

"ENQUANTO ESTE FILME É LANÇADO O GOVERNO MILITAR BRASILEIRO CONTINUA A TORTURAR PRISIONEIROS E A NEGAR DIREITOS HUMANOS BÁSICOS. O GOVERNO DOS ESTADOS UNIDOS FORNECE MAIS AJUDA POLICIAL E MILITAR AO BRASIL DO QUE A QUALQUER OUTRO PAÍS SUL AMERICANO."

Comentários