Um jantar com Rimbaud


Coin de Table, 1872, de Fantin-Latour, é uma obra extraordinária. Juntamente com Hommage à Delacroix, 1864, Un atelier aux Batignolles, 1870, e, Autour du piano, 1885, apresenta de modo muito engenhoso homenagens e também interesses das artes contemporâneas.

Coin de Table, Henri Fantin-Latour. 1872


No caso específico de Coin de Table a reunião é a mais íntima entre as quatro obras. Na tela de 1864, Delacroix aparece com um valor superior, no centro da obra em um retrato feito a partir de uma famosa fotografia de Nadar do artista, ao qual homens das artes prestam homenagem. Whistler, elegante de olhos profundos, traz um buquê de flores. O próprio Fantin-Latour aparece ali, de camisa branca, paleta no braço esquerdo. Dos dez personagens, sete miram diretamente o espectador. Em Un atelier aux Batignolles, as figuras se concentram atrás de um artista pintando, cuja tela, admirada por eles, não está visível ao espectador. Composição rigorosa, as linhas diagonais entre a paleta e os pincéis criam estabilidade, e o próprio universo apresentando parece nascer dali de alguma forma. O ateliê em Batignolles é uma homenagem a Manet, retratado como o artista sério, compenetrado em seu ofício. Aparece igualmente na obra anterior. Entre o grupo, Renoir, Zola, Bazille, Monet. Autour du piano, embora tenha recebido o apelido de Les Wagnéristes é, antes de um manifesto, o retrato de amigos e músicos. A semelhança da figura central com Camille de Saint-Saëns pode ter colaborado com essa associação, mas trata-se de Edmont Maitre, que também figura em Un atelier aux Batignolles. Entre os amigos, Adolphe Julien, Emmanuel Chabrier ao piano etc.

A última obra, de 1872, difere das outras em diversos pontos. É mais clara, o grupo aparece de forma mais concentrado. E principalmente mais intimista, se nos outros três casos temos uma cena de ateliê, uma reunião ao piano e uma reunião em torno da imagem de Delacroix, agora uma mesa. Esta sugere o fim do jantar. Dispostas de modo controlado algumas frutas no canto direito, cortadas e degustadas. O aperitivo também está à vista, posto ao lado de Ernest d’Hervilly, de olhar perdido e pensativo, livro aberto nas primeiras páginas segurado pela mão esquerda e cachimbo na outra. À direita, perto do arranjo com flores, Camille Pelletan, com olhos fortemente sombreados e inquietos.



Mas, em especial, a obra é reconhecida pela dupla do lado esquerdo da tela, Paul Verlaine e Arthur Rimbaud. A aproximação entre os dois faz eco ao amor tempestuoso e conturbado entre eles. A tela me é cara. E acredito que seja para muitos. A força do jovem poeta que busca escapar de Charleville para alcançar Paris é notória. Seus primeiros poemas conhecidos foram feitos quando tinha 15 anos. E, particularmente, a famosa carta a Paul Demeny, de 15 de maio de 1871, a “Lettre du Voyant”.

“La première étude de l’homme qui veut être poète est sa propre connaissance, entière ; il cherche son âme, il l’inspecte, il la tente, l’apprend. Dès qu’il la sait, il doit la cultiver ; cela semble simple : en tout cerveau s’accomplit un développement naturel ; tant d’égoïstes se proclament auteurs ; il en est bien d’autres qui s’attribuent leur progrès intellectuel ! — Mais il s’agit de faire l’âme monstrueuse : à l’instar des comprachicos, quoi ! Imaginez un homme s’implantant et se cultivant des verrues sur le visage”.

É desta carta também a tão reproduzida máxima Je est un autre! A fórmula do Eu é um outro, marca a distância entre o eu e aquele que fala, sou um estranho para mim, estou fora de mim!


Na imagem, a taça de vinho perto de Verlaine está cheia, poderíamos indicar que ele está atrasado em relação aos outros, ou se concentra na bebida, a jarra próxima a ele está quase vazia. Verlaine é feito com linhas firmes, sério, olhar distante. Os prazeres não alcançam a alma do poeta, como a “'âme grise” sugerida por Barbara em sua canção Göttingen.



Ao seu lado, Rimbaud, cabelos desajeitados, não apenas em pose elegante, mas delicada. A mão que apoia o queixo reverbera essas características, ao mesmo tempo em que a apresenta forte, inchada. A alma irrequieta do poeta parece transparecer. Seu olhar, também perdido e a descrição de rosto são de beleza extraordinária: ao mesmo tempo selvagem e requintada. O quadro faz parte da coleção do museu d’Orsay. No entanto, a cidade de Charleville-Mezières, naturalmente, respira Arthur Rimbaud (a então Charleville, era cidade natal do poeta). Colégio Arthur Rimbaud, café Rimbaud, Quai Arthur Rimbaud, e claro, Museu Arthur Rimbaud.





O museu é instalado em um charmoso moinho do século XVII – note que a casa onde ele morou foi transformada também em museu, dedicada a exposições temporárias de artistas contemporâneos pensando a obra de Rimbaud – e celebra a vida e obra do escritor. Entre documentos, livros, objetos, uma cópia do quadro de Fantin-Latour recebe os visitantes. A aura do original parece comprometer mesmo os funcionários do museu que indicam: “ah, não! É apenas uma cópia”. Mas a tela de Fantin-Latour faz eco em Charleville, ali é possível uma aproximação mais detida, e em conjunto com cartas e objetos de Rimbaud, se enaltece, engradece mais.



O apartamento de Rimbaud em Charleville, 1o andar, no Quai du Moulinet número 7 (hoje, Quai Rimbaud)

É evidente que Charleville-Mézières tem vida e se constrói para além da figura singular do poeta, seu charmoso cinema Metrópolis, o festival mais importante de Marionnettes do mundo tem sua sede ali. Mas a atmosfera faz sempre sonhar no Dormeur du val ou em Sensation. Naquelas esquinas as vogais parecem estar sempre pintadas. Não dá vontade de sair. A busca incontrolável de abandonar a pacata e parada cidade tem um efeito contrário hoje. A sensação de passar pelo Cabaret Vert é alcançar Charleville.

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