Henri Focillon - A pintura no século XIX - A pintura de história antes de David - O idealismo e a revolução - II



  Henri Focillon - A pintura no século XIX

Primeira Parte

O retorno ao antigo e o início do romantismo

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Capítulo Primeiro

 O idealismo e a revolução - II


Tradução e ilustração - Jorge Coli


A escola francesa reagiu de um modo particular, porque era precisamente uma escola, meio moral muito antigo, porque havia buscado e pensado o "sublime", no próprio século XViiii, antes de Winckelmann. Durante gerações, havia meditado com profundidade e sem programa teórico as lições dos antigos; durante gerações, ela havia se debruçado sobre as fontes da Antiguidades, e tinha encontrado nelas o reflexo do seu próprio gênio. Enquanto a Itália se dissolvia no ecletismo, depois na maneira berninesca, ela havia erigido o pensamento clássico e inventado Poussin. Diderot, com a clarividência do gênio, tinha invocado esse grande nome. Mas entre a geração de Poussin e a de Diderot, havia todo um século de pintura, de gostos, de hábitos, de habilidades que se tinham superposto ao puro classicismo e que o tinham recuado nos longínquos do tempo; havia sobretudo um meio século particularmente rico, a época de Watteau,


Antoine Watteau - O embarque para Citera - 1717


de Le Moine,


François Lemoyne, ou Le Moine - Refeição de Caça - 1723


de Boucher,


François Boucher - O trinfo de Venus - 1740


de Fragonard,


Honoré Fragonard - Os acasos felizes do balanço - 1766



de Chardin, 


Jean-Siméon Chardin - Copo d'água e jarro - 1760 circa


a mais florida, a mais espiritual, a mais sensível, a mais dotada picturalmente de todas as épocas da arte. Então, quando os mestres de 1750 querem se alçar ao sublime, fazem-no primeiro no modo incerto dos revolucionários temperados, querem esquecer o século e permanecem fiéis a ele apesar de si próprios. É o caso de Doyen (A morte de Virgínia, 1758), 

Gabriel-François Doyen - A morte de Virgínia - 1758


de Sené (A morte de Sócrates, 1762),

Jean-François Sané - A morte de Sócrates - 1762


de Bachelier (A caridade romana, 1764),

Jean-Jacques Bachelier - A caridade romana - 1764


de Lagrenée,

Louis Jean François Lagrenée - Cleópatra expirando - 1755



de Carle van Loo,

Carle van Loo - A vitória de Alexandre sobre Poro - 1738


de Michel-Ange Challe.


Michel-Ange Challe - Cristo e o centurião - 1758


O Coresus de Fragonard permanece admirável pelo movimento, pelo brilho, pela rara qualidade da matéria e do tom, por tudo que pertence ao século, por tudo que escapa à convenção estética.


Jean-Honoré Fragonard - Coresus se sacrificando para salvar Caliroe - 1765



Greuze parece se ter lembrado do Testamento de Eudâmidas em seu Sètimo Severo,


Jean-Baptiste Greuze - O imperador Sétimo Severo acusa Caracala, seu filho, de tê-lo querido assassinar - 1769


mas é ainda o espírito de suas Maledições paternas, o falso de uma cena de famíla elevada à altura do melodrama.

Jean-Baptiste Greuze - A maldição paterna - 1777


Há um sentimento poussinesco muito mais grave e muito mais austero na bela composição dramática de Peyron, Cimon fazendo retirar o corpo de Milcíades (1780)¹. Enfim, surge um artista dotado de uma

Jean-François Pierre Peyron - Os funerais de Milcíades - 1782



autoridade superior, e que não hesita muito tempo, David. Ele faz cessar as incertezas e as meias-medidas que dividem a escola entre o sorridente e fácil gênio do século, a tradição bolonhesa, as lembranças de Poussin e o novo espírito. Cria um estilo inflexível, mais altaneiro que elevado, com mais ridez marcial do que sopro épico. Esse centurião, que exala comando, junta as coortes e lidera a batalha.

Mas permanecem na França elementos que suas direções não atingem, ou mesmo que lhes escapam inteiramente.. Apesar dos esforços tardios para tentar o gênero da moda, a velhice de Vien permanece 

Joseph-Marie Vien - Religiosas se prosternando diante de uma aparição da Virgem - estudo - 1809?


fiel ao gênio de Diderot, muito mais do que à estética greco-alemã. No seu ateliê, estuda-se a natureza, e as "conversas elevadas" ocorrem sempre. O grego e o romano não inspiram todos os pintores: Beaufort é o artista "que leu Shakespeare", 


Jacques-Antoine beaufort - São Luís, rei de França, em seu leito de morte, dando seus últimos conselhos a seu filho Felipe - 1780?



e Ménageot pinta A morte de Leonardo da Vinci. A história nacional foi entreaberta por ancestrais de  

François-Guillaume Ménageot - A morte de Leonardo da Vinci - 1761


Delaroche. Há pintores de costumes, pintores de paisagem e retratistas. Ilustres amadores como Denon não banem Watteau de seus gabinetes e, sob as vestes de funcionários imperiais como entre os Sólons e Licurgos da República, escondem-se, por vezes, amigos, espirituais e sensíveis, da linda matéria, da cor, da vida pitoresca. Enfim, a Revolução e o Império, que parecem de início inteiramente feitos para o idealismo esparciata dos inovadores, forçam aí a intervenção de uma realidade torrencial, ardente, mais épica do que todos os sonhos, que os exalta, que os colore, e que os restitui à vida.

Jacques Louis David - Retrato de Mme. Seriziat - 1795


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¹ Na verdade, o quadro data de 1782.







































































































































































































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