Roger Federer e "Eu, Tonya"

Na semana passada, o tenista Roger Federer ganhou seu sexto Laureus - prêmio máximo do esporte. Os que conhecem um pouco a história do jogador sabem que sua carreira antes do estrelato era marcada por uma personalidade forte, raquetes quebradas e um comportamento longe do cavalheirismo pelo qual hoje é tão famoso. Mas após seu primeiro título de Grand Slam - hoje são 20 - e seu talento ser reconhecido, Federer encarnou o tipo que se espera de um esporte como o tênis: elegante, educado, suíço e com golpes plásticos. Não há nenhuma dúvida que seu talento está a altura de lendas como Pelé ou Michael Jordan. Com Federer, pensamos estar vendo uma apresentação de balé e não um jogo de tênis. Uma plástica tão refinada que faz esquecer que o esporte de alto rendimento tem mais a ver com preparo cientifico calculado e menos com arte. Além do talento em quadra, Federer se comporta exatamente como querem seus patrocinadores, e encarna imagem que o tênis quer vender de si próprio. Não são poucos que dizem que o Federer real nada tem a ver com o personagem criado pela Nike e pela Associação de Tenistas Profissionais.


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Pensei em Federer enquanto assistia ao filme “Eu, Tonya”, sobre a patinadora que esteve envolvida em um plano para lesionar uma rival e disputar as olimpíadas pelos EUA. Tonya Harding era excepcionalmente talentosa, foi a primeira a executar um salto "triple axel" em uma competição profissional, mas ao contrário do tenista suíço, era categoricamente rejeitada pelo público e pelo júri das competições que disputava. 


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Como em Lady Bird – sobre o qual falei neste blog – o filme se desenrola no contexto white trash americano, o de brancos que vivem em condições materiais precárias. A mãe de Tonya faz de tudo pela carreira da filha, mas nem por isso é uma boa mãe; ao contrário, é grosseira violenta e oportunista. O marido, com quem casou para se livrar da mãe, a trata com bofetadas. Tonya pode  ser a melhor patinadora de sua geração, mas isso não basta para torná-la uma campeã. Recebia notas muito menores do que suas rivais menos habilidosas.  Ao ser questionado por uma nota baixa, um dos jurados diz que “não se trata somente de patinar”.  É verdade: Tonya não é educada, não sabe ser simpática em público, nem tem dinheiro para comprar as roupas que se espera de patinadoras de elite. Vem uma família pobre, desestruturada, e jamais vai conseguir encarnar os valores da sociedade americana
Quando julgada pelo crime de ter agredido sua rival, sua sentença é muito mais dura do que a dos comparsas. Além de multas e serviços comunitários, é banida do esporte. Jamais vai pisar novamente em uma pista de patinação para competir. Preferiram não arriscar e deixar que seu talento triunfasse. Nos casos de Federer e Tonya, não se trata só de talento, mas de personificar uma imagem, uma marca. Os EUA escolheram Tonya para ser odiada, aceitá-la seria também aceitar os EUA que não dão certo. 

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