Hilda Hilst e as vozes do além



Fui ao cinema ver o primeiro filme a ter Hilda Hilst como tema. A ansiedade era grande, afinal a diretora Gabriela Greeb trabalhou durante sete anos para o filme HILDA HILST PEDE CONTATO ficar pronto. O trailer prometia cobrir o período de 1974 a 1978, onde a escritora tentou buscar contato com pessoas falecidas - sobretudo com seus pais - inspirada por Friederich Jürgenson e o seu Telefone para o além, lançado no Brasil em 1972. Com um gravador AK 400 DB que ganhou do amigo J Toledo, conectado a amplificadores e rádios, Hilda passava horas - geralmente das 21h à meia-noite - gravando em silêncio no seu quarto, com fones de ouvido. A experiência consistia em sintonizar o rádio em uma estação inexistente, onde só houvesse chiados, e gravar. A esperança da escritora era que, ao escutar a gravação, houvesse alguma mensagem dos mortos em meio a chiados e barulho. Durante anos esse trabalho foi religiosamente realizado. Até que no último dia do ano de 1978, perto da hora da virada, ela recebeu a seguinte mensagem "Vamos estabelecer no mundo rede telefonia. Odeia. Hilda garantirá aborto". Entendendo como um aviso do além, Hilda abandonou seus estudos e pesquisas nesse campo.

Voltemos ao filme.

Começa com a atriz Luciana Domschke interpretando Hilda, numa Casa do Sol vazia e escura. A semelhança física entre atriz e escritora é grande, e a voz que ouvimos é da própria Hilda - a produção teve acesso ao acervo de aproximadamente 100 horas de gravações - o que resulta em peso e importância na tela.



Após alguns minutos entram algumas entrevistas feitas num Cadillac preto em movimento, com pessoas importantes de sua vida, como Dante Casarini, Olga Bilenki e alguns outros. Há algumas falas interessantes, mas é tudo brega de doer: parece quadro do programa do Luciano Hulk.

Piora quando esses antigos amigos se reúnem à mesa na sala da Casa do Sol para comer macarrão e falar de Hilda. Neste momento Alcir Pécora se destaca com alguns apontamentos de alguma relevância, mas de resto é puro barulho.

Surge então algumas cenas que parecem evocativas de sua obra, já que uma voz em off lê trechos de livros seus - A obscena senhora D, Tu não te moves de ti, entre outros. Parece uma daquelas instalações de tcc de aluno de artes visuais, do tipo amador e surpreendentemente pretensioso. As leituras se multiplicam durante o filme, o que me irritou profundamente: era melhor ter ficado relendo os livros em casa.

Poucas vezes tive vontade de abandonar sessões na metade, mas este foi um dos casos. Uma clara inabilidade em encarar o material. O filme não é sobre o trabalho de gravação de vozes, não é um documentário sobre a escritora, tampouco uma dramatização de sua obra. É qualquer coisa que não contribui em nada para a divulgação dos textos hilstianos ou mesmo seu aprofundamento.

Pela intenção que senti ser a da diretora Gabriela Greeb, acho que ela poderia aprender duas ou três coisas com a obra do casal Jean-Marie Straub e Danièle Huillet e seu cinema experimental e de forte rigor estético, com seu decisivo trabalho com som direto - o som e a matéria são desperdiçados naquele lugar lindo e mágico que é a Casa do Sol e seu imenso jardim. Com relação aos textos de Hilda, seja na voz off ou lidos pelos convidados, ela poderia aprender algo com Moscou de Eduardo Coutinho, onde um grupo de teatro trabalha de verdade um texto (no caso, As três irmãs, de Tchekhov).

Infelizmente, mesmo com 100 horas de áudio, 150 minutos de película super-8, cartas e diários à disposição, o filme é pífio. Uma hora e quinze que parecem séculos, e de onde se salvam uns 15, 20 minutos no máximo. Ah, e também se salva a trilha sonora de Nicolas Becker, muito boa.



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