Truman Capote dizia ter inventado a forma literária da "non-fiction novel", o romance de não-ficção.
Ela combina a reportagem jornalística dos fatos com uma complexidade mais ambiciosa de narração.
Porém o cruzamento entre romance e jornalismo é antigo. O método de Émile Zola [1840-1902], ao preparar suas obras, não era muito diferente, e "Os Sertões", de Euclydes da Cunha [1866-1909], é, de modo rigoroso, uma "non-fiction novel".
No final do século 19, certa pintura ambicionou também elevar pela arte o que pertencia ao domínio da reportagem fotográfica. Poderia se chamar "non-fiction painting". Ela voltou-se para vários temas, entre outros o das experiências científicas. Um desses quadros, de Brouillet, ótimo pintor, mas bem esquecido hoje, representa uma das "sessões" do dr. Charcot no hospital da Salpetrière, em Paris.
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André Brouillet - Uma aula clínica na Salpetrière - 1887 - Université Paris-Descartes |
As apresentações públicas de Charcot atraíam uma sociedade curiosa, intelectual e mundana. Charcot, professor de Freud, foi determinante para o desenvolvimento da neurologia moderna. Alguns de seus caminhos, porém, mostraram-se enganosos.
Assim, quando se ele voltou para a histeria, doença então considerada feminina (sua etimologia é a palavra grega histéra, que quer dizer útero), inventou pontos "histerogênicos" que, apertados, provocavam nas pacientes reações precisas. As mulheres pareciam se transformar em máquinas cheias de botões. O quadro de Brouillet mostra uma aula sobre a histeria. O grave professor pontifica. No grupo de homens vestidos com roupas escuras, destaca-se a pele luminosa de uma jovem, linda, desmaiada nos braços de um assistente. Seu nome era Blanche Wittman.
Nos anos de 1960, o escritor sueco Per Olov Enquist afirmou-se com o "estilo investigativo", que deu origem à "non-fiction novel" de Capote. Seu romance "Blanche e Marie" (em tradução francesa, ed. Actes Sud), parte de uma pesquisa histórica cerrada, para melhor deixar o leitor incerto entre o que é fato atestado e invenção.
Sua Blanche do título é Blanche Wittman, aquela mulher de beleza admirável no quadro do doutor Charcot. Sucedeu a Jeanne Avril como "histérica profissional", contratada pelo médico para suas experiências e exibições.
Digressão: Jeanne Avril virou mais tarde dançarina de cabaré; foi várias vezes retratada por Toulouse-Lautrec. John Huston, no seu filme "Moulin Rouge", emprestou a ela o rosto admirável de Zsa Zsa Gabor.
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Jeanne Avril em foto dos anos de 1890 |
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Interpretação da foto acima por Toulouse-Lautrec - 1899 |
Zsa Zsa Gabor, num vestido de Elsa Schiaparelli para o filme Moulin Rouge, de John Huston, 1952
Com esses personagens reais, mas extraordinários e conturbados, Enquist criou um mundo em que a busca da ciência é feita por seres de corpo e alma, responsáveis por brilhantes descobertas e vítimas de conseqüências tremendas.
Nesse universo, as paixões, pessoais e teóricas, se afirmam com obstinado rigor.
Não se sabia dos perigos trazidos pela radioatividade. As experiências de Marie Curie queimaram-lhe as mãos e provocaram o câncer de que ela morreria. A Blanche Wittman descrita por Enquist termina sua vida num carrinho: seu corpo foi sendo desbastado aos poucos. Teve que ser amputada das duas pernas e do braço esquerdo. No livro, o mundo de ambas, mundo de confidências e de afetos, envolve-se nos reflexos azulíneos dos produtos radioativos que manipulavam.
Trecho de "Blanche e Marie": "Sim, a mão, é verdade, uma vez ele segurou sua mão. Mas durante as demonstrações médicas, quando todo mundo olhava? Não, ele deixava aos seus assistentes o cuidado de tocar os pontos histerogênicos. Nunca fazia isso ele próprio. Mas aqui: distância, e proximidade extrema".
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