O cheiro dos homens



Vitrine de loja em São Paulo, 2018. 

Já reparou nas propagandas de perfumes masculinos?
As campanhas publicitárias desses pequenos frascos são encontradas em diversos formatos, são ensaios fotográficos elaborados, vídeos com trilhas sonoras e uma fotografia sofisticada, dignos de qualquer produção cinematográfica. Conjunto de close-ups de rostos masculinos com miradas intrigantes. Um modelo ou algum galã hollywoodiano do momento passeiam pelas telas, algumas vezes o roteiro adiciona uma figura feminina cheia de charme e beleza, apenas para fazer graça ao parceiro de cena. Nessas variações a figura masculina aparece como principal ornamento, um mundo onírico de promessas viris e de uma vida extraordinária.

Em 1966 Christian Dior lançou o Dior Eau Sauvage, uma fragrância a base de limão, alecrim, vetiver, manjericão, musgo de carvalho, almíscar e talvez outras especiarias não reveladas. A campanha publicitária apresentou as elegantes ilustrações de Renato Zavagli Ricciardelli delle Caminate (1909-2004).

Ilustração de René Gruau. Campanha do perfume Dior Eau Sauvage, 1966.

A primeira ilustração criada em 1966 por René Gruau, nome adotado pelo artista, era no mínimo surpreendente. A imagem de um corpo masculino segmentado exibia apenas da cintura aos pés. O fundo escurecido limitado pelo tom mais claro demarca a linha do solo. Um par de pernas magras preenchidas por uma pilosidade sugerida por traços finos e curtos. Estes acompanham a parte interna das panturrilhas e seguem na mesma orientação pela canela. Coxas, sexo e quadril são cobertos por um roupão. Os pés abertos diagonalmente calçam chinelos de estilo confortável. A cena nos sugere frescor, insinuando que o modelo acabara de sair do banho. Além disso, um certo despojamento é criado pela vestimenta, e se por acaso o nó do roupão se desfizesse? Nosso modelo estaria nu! As pernas despidas e a nudez sugestiva talvez funcionassem para construir o “selvagem”, reforçado pelo slogan da campanha que apontava seu público alvo: “uma colônia viril, discreta e fresca”. A etiqueta inclinada na frente do roupão não deixa dúvidas: “pour hommes”.





Ilustração de René Gruau. Campanha do perfume Dior Eau Sauvage, c.1967


A mesma cena ganha outras versões. O clássico roupão é substituído por um tecido com motivos que imitam a pele de um felino. Os pêlos se enumeram nas coxas, agora expostas, e os pés descalços acentuam aspectos de um homem menos sofisticado.




Ilustração de Rene Gruau. Campanha do perfume Dior Eau Sauvage, c.1967


A pilosidade é detalhe importante nas primeiras ilustrações do Eau Sauvage. O rapaz de dorso nu com uma cabeleira negra e volumosa é um exemplo. Inevitável deixar de notar os cabelos negros que eclipsam o olhar do modelo e ainda o peitoral com uma penugem organizada em formato geométrico. Cabelos e pêlos reforçam elementos viris. Já o formato longilíneo dos dedos da mão direita conferem um toque delicado que se projeta até o frasco do perfume.




Ilustração de Rene Gruau. Campanha do perfume Dior Eau Sauvage, 1978 . 



Na década seguinte o modelo perde a timidez. Caminha nu e descalço. Uma toalha repousa sobre o ombro direito e se prolonga sobre o tronco, cobrindo o sexo e exibindo o restante da silhueta masculina.  O rapaz magro encara o observador segurando seu Eau Sauvage, elemento que se tornaria imprescindível nas ilustrações futuras de Gruau.




Ilustração de René Gruau. Campanha do perfume Dior Eau Sauvage, c.1967. 

Em outra cena, René Gruau nos transforma em voyeurs. O cenário é composto por um espelho, uma prateleira com o frasco do perfume e uma pia. Estamos no banehiro, local de intimidade. A visão ainda é apenas de uma porção do corpo nu. Por uma fresta Gruau nos mostra o modelo de costas, olhando-se no espelho. O reflexo revela o rosto, as duas mãos que tocam as mandíbulas e a cabeça levemente inclinada para trás que acentua o queixo. Os olhos fechados sugerem a sensação de prazer e relaxamento. A nádega direita desenhada por um pequeno traço côncavo termina na porção da cena escondida.



Ilustração de Rene Gruau. Campanha do perfume Dior Eau Sauvage, 1978.

O esconde-esconde transforma uma cena cotidiana num jogo de sedução, o que se oculta torna-se tão sedutor quanto as cenas em que se revela tudo.


lustração de Rene Gruau. Campanha do perfume Dior Eau Sauvage.


No tempo do lançamento de Eau Sauvage, para vender perfumes masculinos, a moda era explorar a imagem de homens trabalhadores, pais e maridos devotados. A arte de René Gruau parece ter fugido dessas escolhas e se aproveitou da imagem atraente do playboy, do homem sedutor, um jovem mais interessado nos momentos de prazer do que nas obrigações.




Em 2015 a campanha do perfume usou cenas do filme Les Aventuriers (Os Aventureiros) de 1967 dirigido por Robert Enrico. O vídeo da Dior compilou as cenas que Alain Delon protagonizava no barco com a atriz Joanna Shimkus. A beleza de Delon seguia as escolhas dos jovens ilustrados por René Gruau.



Campanha de 2009 – Dior Eau Sauvage.






















Hoje a marca aderiu aos corpos musculosos, lisos, sem pêlos, mas ainda apostando em recortes que exibem e escondem partes do corpo masculino.



Em 2016 Dior fez um tributo ao perfume que virou referência da marca francesa. 





Parece que a publicação mais recente sobre as ilustrações masculinas de René Gruau é de 2012 (infelizmente a ediçao não é muito facíl de ser encontrada no Brasil).


Um site que se diz oficial do artista possui pouquissimas ilustrações:






E para quem quiser se aventurar a Christie's vende algumas das ilustrações de Gruau.




Comentários

  1. Aline, excelente texto! achei bem interessante como a equipe de propaganda da fragrância Dior Eau Sauvage re- significou o ideal de homem selvagem desde seu lançamento.

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