Vai me dizer que você nunca
espiou alguém indevidamente?
No francês há um termo particular para o ato de observar outra pessoa sem autorização, o voyeur.
Se consultarmos o dicionário de francês antigo (datado de 1881-1902) de Frédéric Godefroy, a expressão se origina
de veor, que significa aquele que vê,
testemunha ocular.
A língua inglesa também tem uma expressão específica para a espiadela indevida: Peeping Tom. A expressão vem de uma crônica da história medieval, século XIII, o texto de Flores Historiarum foi redigido em latim e traduzido para o inglês por Roger of Wendover. A anedota é no mínimo intrigante, para não dizer absurda. Conta-se que o conde Leofric de Chester administrava a pequena Conventry. Sua esposa, a condessa Godiva, muito devota, rezava com afinco em nome da Mãe de Jesus para que o marido parasse de cobrar altas taxas dos habitantes da cidade. O conde proibiu Lady Godiva de atormentá-lo com tal assunto e promulgou que só voltaria a pensar no pedido da esposa com uma condição: ela deveria montar em seu cavalo, nua, e percorrer toda a cidade despida diante do povo. E não é que ela cumpriu a tarefa do maridão!
A língua inglesa também tem uma expressão específica para a espiadela indevida: Peeping Tom. A expressão vem de uma crônica da história medieval, século XIII, o texto de Flores Historiarum foi redigido em latim e traduzido para o inglês por Roger of Wendover. A anedota é no mínimo intrigante, para não dizer absurda. Conta-se que o conde Leofric de Chester administrava a pequena Conventry. Sua esposa, a condessa Godiva, muito devota, rezava com afinco em nome da Mãe de Jesus para que o marido parasse de cobrar altas taxas dos habitantes da cidade. O conde proibiu Lady Godiva de atormentá-lo com tal assunto e promulgou que só voltaria a pensar no pedido da esposa com uma condição: ela deveria montar em seu cavalo, nua, e percorrer toda a cidade despida diante do povo. E não é que ela cumpriu a tarefa do maridão!
Na versão de Roger of
Wendover não há menção da expressão Peeping
Tom. Com o tempo a crônica foi ganhando outra versão e em algum momento
entre os séculos XVI -XVII surge uma exigência feita por Lady Godiva, ela pedia
para que todos os moradores da cidade ficassem em suas casas com as janelas
fechadas enquanto ela percorresse o trajeto com o corpo descoberto. No entanto, o alfaiate Tom não
resiste e espreita a condessa, nuazinha e bela, cavalgando pelas ruas. Algumas versões
contam que por causa disso Tom teria ficado cego como um castigo de Deus e em outras o próprio povo de Coventry teria cegado o alfaiate.
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Adam van Noort. Goodiva (Lady Godiva), 1586. Óleo sobre tela. Acervo: Herbert Art Gallery and Museum.
Na versão de Adam van Noort
(1562-1641) Lady Godiva aparece em primeiro plano. A condessa montada em seu
cavalo adornado se apresenta nua, como se posasse para uma foto. Os longos cabelos
contornam sua silhueta e seu olhar se desvia do observador. Ao fundo, no canto
superior do lado direito da imagem, na janela de uma estrutura arquitetônica há um vulto, seria o curioso Tom espiando a senhora passar.
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La Milo in Lady Godiva procession, Coventry, 1907. cartão-postal, artista desconhecido, 8.8 x 13.8 cm. Acervo National Portrait Gallery, Canberra.
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A partir do século XVII uma
procissão anual reproduz a história da condessa na cidade de Coventry. Na imagem acima a famosa
atriz La Milo (Pansy Montague), como Lady Godiva, cavalga perfilada por uma
multidão de apreciadores. Apesar do registro distante, percebemos que La Milo não está nua. A procissão é representada até hoje.
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Imagens retiradas da edição em português de O Voyeur, 2016. Companhia das Letras |
Voltando para a figura do Peeping Tom. Em 2016 foi publicada a história de um voyeur profissional, narrada
pelo jornalista americano Gay Talese no livro The Voyeur’s Motel (O Voyeur). O livro começa com a seguinte
revelação:
Conheço um homem casado, com dois filhos, que comprou um motel de 21 quartos perto de Denver, há muitos anos, a fim de se tornar um voyeur-residente. Com a ajuda de sua esposa, ele fez buracos retangulares no teto de uma dúzia de quartos (...) cobriu as aberturas com persianas de alumínio que simulavam grelhas de ventilação, mas eram, na verdade, aberturas de observação
Todo esse segredo foi revelado
em uma carta anônima que Talese recebeu em 1980. O peeping Tom profissional era Gerald Foos que observou por aproximadamente
15 anos a vida íntima dos hóspedes que passaram pelo seu estabelecimento. Foos fez
um diário onde registrava todos os tipos de observações que julgasse importante. Semelhante
ao olhar de um pesquisador descrevia a forma física dos hóspedes, a duração das
relações sexuais, os orgasmos (ausentes ou não) e os comportamentos antes e
depois do sexo. Durante o tempo que atuou como voyeur-residente
ele notou mudanças sociais, como o aumento de casais inter-raciais, ressaltou o tédio na vida sexual de muitos casais e até presenciou um homicídio. Foos fez
parte da vida de centenas de pessoas sem que elas soubessem, ele nunca foi
descoberto. A Netflix produziu um documentário sobre o caso, mas o livro é incrivelmente
mais interessante.
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cena do filme Peeping Tom (A Tortura do Medo),1960. |
O cinema tem o famoso personagem de Hitchcock com Rear Window (Janela Indiscreta) de 1954. Mas gostaria de tratar do Peeping Tom (A Tortura do Medo) filme de 1960, dirigido pelo inglês Michael Powell (1905-1990). Com o roteiro de Leo Marks, a trama apresenta Mark Lewis (interpretado por Carl Boehm) um jovem adulto e solitário, que trabalha na indústria de cinema inglês. Lewis passa seu tempo livre trabalhando no que ele chama de “documentário”. Ele anda pelas ruas perseguindo mulheres para registrar com sua câmera que possui uma ponta de lança escondida em uma das pernas do tripé, aparato que é usado como arma para assassinar mulheres. Lewis ainda obriga suas vítimas a assistirem o próprio terror, por um espelho instalado na câmera que assustadoramente reflete o rosto da vítima enquanto ela é esfaqueada até a morte.
Aqui a atividade de espiar é
subvertida, a excitação não vem mais do ato de observar sem ser percebido. Ao contrário, o voyeur é identificado pelas mulheres. O desejo está em registrar o medo no rosto de cada figura feminina.
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Cenas do filme Porkys, 1981. |
Nos anos oitenta Bob Clark dirige Porkys e realiza a cena inesquecível de três adolescentes espiando o banho das garotas no colégio. Os rapazes são descobertos quando um dos voyeurs, que não conseguiu um campo de visão muito privilegiado, se irrita e acaba gritando, obviamente, é escutado pelas moças que aproveitam a situação para pregar uma peça nos espiões.
Peeping Tom predominantemente é uma figura masculina, mas em 1973 a história em quadrinhos de dois artistas importantes do HQ americano, Art Saaf e Vince Colletta, transforma o personagem em uma moça, loira, com seios grandes, boca carnuda e pernas esculturais.
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Art Saaf e Vince Colletta. "Miss Peeping Tom!", Young Romance, no.193, abril/maio 1973. |
Tina é Miss Peeping Tom, uma fotógrafa tímida que acredita que sua timidez só seria superada caso se tornasse uma Miss Peeping Tom. Influenciada por uma amiga, Tina decide entrar no clube de fotografia da escola. O grupo que só admitia rapazes, impõe um teste para a fotógrafa, tirar boas fotos de todos os atletas de destaque do colégio (nada mal por sinal!). Tina acaba se apaixonando por um dos atletas, o mesmo que a flagra tirando fotos sem o consentimento prévio do moço.
Em 2010, na 29ª. Bienal de Arte de São Paulo, o trabalho do colombiano Miguel Ángel Rojas apresenta uma sequência de fotografias tomadas através de orifícios dos banheiros do cinema Mogador na capital colombiana, Bogotá. As imagens foram realizadas em um ambiente de pouca luz, portanto, as fotografias ganham um tratamento peculiar. As longas exposições da teleobjetiva no ambiente de penumbra criaram imagens imprecisas, gestuais e de alguma maneira sombrias. Nessa espécie de ambiente nebuloso são revelados traços de atividade sexual, surpreendendo o olhar do espectador e conservando uma atmosfera clandestina e anônima aos encontros Os contornos circulares das cenas trazem a possibilidade de espiarmos pelo buraco da fechadura como um verdadeiro voyeur.
Seria Acteon, aquele que surpreende
Diana no banho, também um peeping Tom? Bem, esta seria outra história...
Um contribuição para a iconografia (literária) do voyeur. Os três sonetos de Julio Dantas que contam a história de Lady Godiva;
ResponderExcluirCerto conde normando, assolador e hirsuto,
Senhor tradicional duma cidade ingleza,
Querendo um prato de oiro a mais na sua mesa
Lançara sobre o povo um pesado tributo.
Não podia pagá-lo o burgo irresoluto :
Era a ruína, era a fome. E desvairada, acesa,
A multidão rugia em frente á fortaleza,
Com os filhos ao colo e coberta de luto.
Mas as portas de ferro, imóveis, e pesadas,
Não se abriam. E o povo, erguendo as mãos crispadas, .
Cançava-se a bradar, a uivar, a soluçar.
Caía a tarde. O sol quebrara a neve fria.
Ao sopé da montanha, o burgo adormecia
Como um cachorro aos pés duma arca tumular.
II
Dentro da fortaleza, entretanto, rodeado
De dalmáticas de oiro e capelos vermelhos,
O conde rejurava á fé dos Evangelhos
Que o burgo pagaria o tributo lançado.
Tudo aplaudiu. Somente, alva e loira, a seu lado
Se ergueu Lady Godiva ; e prostrada de joelhos.
Defendendo condoída as crianças e os velhos,
Gemeu : — «Senhor ! O povo é já tão desgraçado !
Porque o não libertais desse tremendo imposto ?»
Então, o conde olhou a esposa, rosto a rosto,
E vendo-a casta e humilde, exclamou como um rei
— «Liberto-o,"se amanhã tu fores, rua em rua,
Sobre um cavalo branco, inteiramente nua !»
Ela baixou o olhar e murmurou : — «Irei».
Ill
Nasceu por fim o sol. Branca e nua — que importa,
Se é gloriosa a nudez quando se é casta e bela ! —
Sobre um cavalo branco, em redoirada sela,
Como quem atravessa uma cidade morta,
«iodiva, no clarão divino que a transporta,
Os braços sobre o seio, o cabelo a envolvê-la,
Percorreu todo o burgo e foi de viela em viela,
Sem que a visse ninguém, sem se abrir uma porta.
Revoavam lhe em redor bandos de pombas brancas;
E o sol, cobrindo de oiro as suas róseas ancas,
Vestia- lhe a nudez de formas virginais. . .
Quando enfim regressou, loira, calma, modesta,
O bárbaro senhor beijou-a sobre a testa,
E os tributos de então não se pagaram mais.