A indignidade da fotografia

A fotografia é prova judiciária. Faz parte de processos. Testemunha. É detentora da verdade na imagem. 


O pintor Gustave Courbet foi condenado como responsável da demolição da Coluna Vendôme e teve que se exilar na Suíça, onde morreu seis anos depois. A Coluna Vendôme é um monumento construído por Napoleão para celebrar a batalha de Austerlitz. O episódio ocorreu durante o breve governo popular da Comuna de Paris (18 de março de 1871 a 28 de maio de 1871), resultado de uma insurreição que havia tomado a cidade. Movimento de um socialismo radical, ela foi reprimida de maneira sangrenta, com muitos milhares de mortos.

Um documento importante de prova no processo contra Courbet foi a fotografia acima. Ao contrário do que diz a legenda manuscrita, Courbet seria o barbudo gordinho ao lado daquele marcado por uma seta. A identificação do pintor na fotografia, confirmando que ele estaria presente no momento da demolição, não foi absolutamente conclusiva, mas pareceu suficiente.

Houve um caso, na história da Comuna, no qual a verdade atribuída à fotografia funcionou como propaganda política. Eugène Appert era um fotógrafo muito oficial, e muito conservador. Tinha o movimento da Comuna em horror. 



A Comuna decidiu retaliar as execuções que o governo francês, que fugiu para Versalhes, procedia sobre prisioneiros dos "communards". Decretou, dia 5 de abril: "Toda execução de um prisioneiro de guerra ou de um partidário do governo regular da Comuna de Paris será, imediatamente, seguida da execução de um número triplo dos reféns detidos."

A Comuna propôs a troca do arcebispo de Paris contra o velho revolucionário Auguste Blanqui, encarcerado em Versalhes. O governo não se mexeu, apesar das reiteradas ofertas de negociação, que terminaram por oferecer todos os reféns contra Blanqui. Nada. O secretário geral do governo, Barthélemy Saint-Hilaire, respondeu: "Os reféns! Os reféns, pior para eles!"

A Comuna decidiu então fuzilar 6 desses reféns, todos sacerdotes. Não havia documento fotográfico do fuzilamento. Não seja por isso. Appert reconstituiu a cena por meio de atores, e incluiu a foto numa série intitulada "Crimes da Comuna".



A composição, com os muros altos e as  faixas verticais de pedras brancas, aparelhadas, confina, ao mesmo tempo que dá grandeza para a cena. Os gestos nobres dos fuzilados são, desse modo, realçados.  No primeiro plano, de costas, os soldados se amontoam, e quatro homens articulam os dois grupos.





Appert não hesitava em substituir o rosto dos atores pelos verdadeiros, recortando e colando: é possível dizer que são formas precursoras do photoshop. Neste Massacre dos dominicanos, a montagem mostra-se grosseira. Mesmo os personagens "em movimento" estão em poses, imóveis. Mas, nos primórdios da reportagem fotográfica, eram suficientes para enganar a muitos.

O escritor quebequense Claude Jasmin tem uma frase ótima: "Uma fotografia vale por mil mentiras".

A repressão sobre os "communards" foi violentíssima. De 21 de maio a 28 de maio de 1871 ocorreu a assim chamada "semana sangrenta": o movimento foi esmagado e as execuções em massa se multiplicaram. Quantos participantes do movimento revolucionário sucumbiram? 20000, 30000, não se sabe ao certo. Os últimos combates em defesa da Comuna ocorreram no cemitério do Père Lachaise. Sem munição, os "communards" se defenderam com armas brancas.

Henri Félix Philippoteau: Últimos combates no Père-Lachaise, dia 27 de maio de 1871 - 1871 - Musée d'Aquitaine, Bordeaux

174 "communards" que restaram desse combate no Père Lachaise foram fuzilados e atirados numa fossa escavada junto à muralha do cemitério, trecho que ficou conhecido como "Muro dos Federados" (Federados = soldados voluntários).

Um fotógrafo ilustre, André-Adolphe-Eugène Disdéri documentou a barbárie da repressão à Comuna.






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