Em cores. A escultura policroma na França 1850-1910


Organizada pelo Musée d’Orsay, a exposição sobre esculturas em cores na França no século XIX é inovadora e rara. Agrupar de modo inteligente e provocador as peças que, em sua maioria, são pouco conhecidas é louvável e o resultado admirável.


Anônimo. Busto da República


Talvez as implicações da utilização de cores na escultura sejam amplamente desconhecidas. Em primeiro lugar, a norma do saber-fazer impulsionada pela sedução na crença na antiguidade pelo bom gosto das esculturas monocromáticas. Depois com o rigor disciplinar neoclássico, a receita é o branco da escultura.

Basicamente, as cores nas esculturas aparecem de duas formas: 1) a utilização natural de outras pedras ou elementos possuidores de diferentes cores. 2) a aplicação de cores artificiais diretamente na obra – como a retrato de Gérôme por Cormon, no qual o artista aparece retocando com um pincel seu trabalho. Essa prática, tão velha, quanto a própria história da arte, é retomada com força e disseminada no século XIX. Aparecem na energia da procura histórica e arqueológica de um Gêrome, por exemplo, mas experimentado de modo multifacetado no final deste século. O antinaturalismo do art-nouveau e as pulsões simbolistas criaram pesquisas importantes neste campo.


Fernand Cormon. Le Sculpteur au travail, Gérôme dans son atelier



Uma nota: quando se diz “a escultura policroma na França é bem desconhecida” significa também que existe uma parcela extraordinária integrante dos manuais e compêndios da disciplina. E nisso o d’Orsay continua perpetuando a sua posição singular, não apenas na renovação da arte do século XIX, mas das inúmeras pesquisas de aprofundamento e assim, de descobertas apresentadas nos produtos finais, nas exposições ali estabelecidas. Se hoje conhecemos sem pestanejar o mármore e ônix policromáticos com malaquita, lápis-lazúli etc. da formosa A natureza se desvelando de Ernst Barrias, ou a energia singular do Negro do Sudão de Charles Cordier, certamente a instituição tem papel preponderante neste aspecto.


 
Charles Cordier. Nègre du Soudan

Ernest Barrias. La Nature se dévoilant.


A exposição centrada em três salas foge das armadilhas fáceis de relação e comparação. Obras de artistas modernos são postos em paralelo com aqueles das academias e “pompiers”. Fica claro aqui o papel inteligente que percorre essas salas. Essas aproximações não servem para dizer que um é melhor ou mais interessante do que o outro. Que os modernos são mais “livres” ou que aqueles acadêmicos possuem mais “técnica”. A relação é bem mais complexa. Mostra-se, claro, as diferenças, mas também como esses elementos funcionam juntos e como podemos apreender e conhecer melhor um e outro nestas relações.


Charles Cordier. Câpresse des colonies


A Câpresse des colonies realizada em 1861 por Cordier mostra um pouco a dignidade e respeito com o qual o escultor se aproximava de seus modelos, a frase em suas memórias denota o fulgor daqueles anos: “Minha arte incorporou a realidade como um assunto totalmente novo, a revolta contra a escravidão e o nascimento da antropologia”. A atenção pelos traços, a pose altiva, assim como aparece no negro de Sudão.

Jean Baptiste Jules Klagmann. Nymphe endormie


Alexandre Charpentier. Narcisse


A ninfa adormecida e azulada de Jean Baptiste Jules Klagmann é leve e a sesta sonambula. Ao seu lado, o Narciso de Alexandre Charpentier. Na vigília, perdido pela beleza de sua imagem.

Na última sala a exposição se despede com a dançarina de 14 anos de Degas. Colorida ao nartural, cabelos reais e seu vestidinho, dá adeus com sabor muito entusiástico. De frente a ela, encostada na outra ponta, reina poderosa La poupée, de Hans Bellmer. Madeira pintada, papel machê, também com seus cabelos reais. Os sapatinhos e as meias denotam algo do universo escolar, adolescente. Em contrastes poderosos das extremidades avermelhadas.

Hans Bellmer. La poupée


Grande exposição, única. O catálogo poderia oferecer as reproduções de todas as obras expostas, muitas raras e de acesso restrito. Um detalhe, é verdade. Mas quando se tem um prato tão farto como este, imagina-se um coroamento.

Jules Loebnitz. Nymphe de la fontaine des Innocents


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