Organizada pelo Musée d’Orsay, a exposição sobre esculturas
em cores na França no século XIX é inovadora e rara. Agrupar de modo
inteligente e provocador as peças que, em sua maioria, são pouco conhecidas é
louvável e o resultado admirável.
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Anônimo. Busto da República |
Talvez as implicações da utilização de cores na escultura
sejam amplamente desconhecidas. Em primeiro lugar, a norma do saber-fazer impulsionada
pela sedução na crença na antiguidade pelo bom gosto das esculturas monocromáticas.
Depois com o rigor disciplinar neoclássico, a receita é o branco da escultura.
Basicamente, as cores nas esculturas aparecem de duas
formas: 1) a utilização natural de outras pedras ou elementos possuidores de
diferentes cores. 2) a aplicação de cores artificiais diretamente na obra –
como a retrato de Gérôme por Cormon, no qual o artista aparece retocando com um
pincel seu trabalho. Essa prática, tão velha, quanto a própria história da arte,
é retomada com força e disseminada no século XIX. Aparecem na energia da
procura histórica e arqueológica de um Gêrome, por exemplo, mas experimentado
de modo multifacetado no final deste século. O antinaturalismo do art-nouveau e
as pulsões simbolistas criaram pesquisas importantes neste campo.
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Fernand Cormon. Le Sculpteur au travail, Gérôme dans son atelier |
Uma nota: quando se diz “a escultura policroma na França é bem
desconhecida” significa também que existe uma parcela extraordinária integrante
dos manuais e compêndios da disciplina. E nisso o d’Orsay continua perpetuando
a sua posição singular, não apenas na renovação da arte do século XIX, mas das
inúmeras pesquisas de aprofundamento e assim, de descobertas apresentadas nos
produtos finais, nas exposições ali estabelecidas. Se hoje conhecemos sem
pestanejar o mármore e ônix policromáticos com malaquita, lápis-lazúli etc. da
formosa A natureza se desvelando de
Ernst Barrias, ou a energia singular do Negro
do Sudão de Charles Cordier, certamente a instituição tem papel
preponderante neste aspecto.
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Charles Cordier. Nègre du Soudan |
A exposição centrada em três salas foge das armadilhas
fáceis de relação e comparação. Obras de artistas modernos são postos em paralelo
com aqueles das academias e “pompiers”. Fica claro aqui o papel inteligente que
percorre essas salas. Essas aproximações não servem para dizer que um é melhor
ou mais interessante do que o outro. Que os modernos são mais “livres” ou que
aqueles acadêmicos possuem mais “técnica”. A relação é bem mais complexa.
Mostra-se, claro, as diferenças, mas também como esses elementos funcionam juntos
e como podemos apreender e conhecer melhor um e outro nestas relações.
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Charles Cordier. Câpresse des colonies |
A Câpresse des
colonies realizada em 1861 por Cordier mostra um pouco a dignidade e
respeito com o qual o escultor se aproximava de seus modelos, a frase em suas memórias denota o fulgor daqueles anos: “Minha
arte incorporou a realidade como um assunto totalmente novo, a revolta contra a
escravidão e o nascimento da antropologia”. A atenção pelos traços, a pose altiva,
assim como aparece no negro de Sudão.
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Jean Baptiste Jules Klagmann. Nymphe endormie |
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Alexandre Charpentier. Narcisse |
A ninfa adormecida e azulada de Jean Baptiste Jules Klagmann
é leve e a sesta sonambula. Ao seu lado, o Narciso de Alexandre Charpentier. Na vigília,
perdido pela beleza de sua imagem.
Na última sala a exposição se despede com a dançarina de 14
anos de Degas. Colorida ao nartural, cabelos reais e seu vestidinho, dá adeus com
sabor muito entusiástico. De frente a ela, encostada na outra ponta, reina
poderosa La poupée, de Hans Bellmer.
Madeira pintada, papel machê, também com seus cabelos reais. Os sapatinhos e as
meias denotam algo do universo escolar, adolescente. Em contrastes poderosos das
extremidades avermelhadas.
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Hans Bellmer. La poupée |
Grande exposição, única. O catálogo poderia oferecer as
reproduções de todas as obras expostas, muitas raras e de acesso restrito. Um
detalhe, é verdade. Mas quando se tem um prato tão farto como este, imagina-se
um coroamento.
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Jules Loebnitz. Nymphe de la fontaine des Innocents |
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