O primeiro museu de arte contemporânea foi criado em Paris em 1818. Luís XVIII tinha sido restabelecido em seu trono não fazia muito, depois da definitiva derrota de Napoleão em Waterloo. Foi seu decreto que criou, no Palácio do Luxemburgo, o "Museu dos artistas vivos".
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Auguste Jean Simon Roux - Luís Felipe e a rainha Maria Amélia visitando o museu do Luxemburgo em 1838 - (1840 circa) |
A idéia era nova, e vinha acompanhada de um sistema astucioso. Um dispositivo previa que as obras ficariam ali durante a vida do artista e, depois de sua morte, por mais dez anos. Então, aquelas que "a opinião universal tivesse consolidado a glória", iriam para o Louvre. As outras seriam enviadas aos museus de província, ou a outras instituições.Esse princípio foi mais ou menos seguido a risca.
O importante, porém, é que ele demonstra que a perspectiva em relação às artes havia mudado.
Está clara, em primeiro lugar, a separação entre a "história feita" e a "história se fazendo".
Em segundo, a evidência que o novo público, assim como as autoridades, da nova sociedade, não tinha confiança em seu próprio julgamento. O imediato podia se mostrar enganoso. Dúvida consciente inconcebível num Lourenço, o Magnífico, ou num Júlio II. Dúvida própria a banqueiros ou industriais mais ou menos incultos, e não a aristocratas.
Enfim, a abdicação da preponderância das encomendas sobre o mercado. O museu do Luxemburgo passou a receber as obras compradas pelo estado nos Salons anuais ou bianuais. Ou seja, o estado, que antes encomendava obras, tornou-se um comprador como um outro, com uma pequena diferença: o tamanho. Nos Salons os artistas expunham obras de formatos diferentes. As maiores, que traziam a glória mas não cabiam nas casas dos mortais comuns, eram destinadas - se o felizardo ganhasse prêmios - ao museu do Luxemburgo. As menores, para o mercado de colecionadores.
Em 1886, o museu saiu do palácio e foi para a orangerie de seus jardins. Orangeries eram prédios que protegiam as laranjeiras e outras plantas tropicais durante os invernos.
Em 1922, o museu transferiu para o Jeu de Paume (prédio destinado inicialmente a abrigar o jogo de péla, antepassado do tênis), no jardim das Tulherias, sua coleção de artistas estrangeiros. E também anexou, em 1821, a orangerie do mesmo jardim.
Mas não viveria por muito mais tempo. A arte contemporânea havia mandado para os infernos do gosto a assim chamada arte acadêmica. O Museu do Luxemburgo, que continha muitas obras consideradas de mau gosto, sofria com os preconceitos. Em 1937, foi feita a separação entre os modernos, que também haviam entrado ali, para que constituíssem o acervo do Museu de Arte Moderna, no Trocadero. Os outros quadros, os acadêmicos de mau gosto, foram enviados para administrações provincianas. A velha orangerie dos jardins do Luxemburgo ficaria fechada por muitos anos. Hoje, ele serve a exposições temporárias diversas.
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William Bouguereau - A juventude e o amor - 1877 - outrora no Museu do Luxemburgo, hoje no Museu d'Orsay |
O corte entre o que havia de moderno no Luxemburgo (sobretudo os impressionistas) e o que havia de "velho", foi definitivo por muito tempo. As gerações atuais não imaginam como, até os anos de 1970, a arte acadêmica foi ocultada, desdenhada, abandonada.
No inverno de 1973/4 decidiu-se fazer uma retrospectiva comemorando os 100 anos da primeira exposição impressionista. Duas outras aproveitaram a ocasião para expor ao público as obras que a modernidade havia excluído. Uma, no Museu das Artes Decorativas de Paris, chamou-se, tímida e diplomaticamente: Équivoques, equívocos. A outra, organizada por Geneviève Lacambre, no mesmo Grand Palais onde estavam os impressionistas, intitulava-se O Museu do Luxemburgo em 1874. O catálogo conta as dificuldades para localizar obras dispersas, sendo que algumas se perderam definitivamente.
Há um livro, antigo e muito interessante, datado de 1927, sobre o Museu do Luxemburgo. Foi escrito por Camille Mauclair.
Há um livro, antigo e muito interessante, datado de 1927, sobre o Museu do Luxemburgo. Foi escrito por Camille Mauclair.
Tem uma encadernação art-déco muito bonita. Faz parte de uma coleção intitulada "Os museus da Europa". As reproduções no texto, sobre papel couché, não são de qualidade excelente.
Algumas, hors texte, são heliogravuras sépia muito belas, num papel encorpado, permitindo nuanças de valores.
Mas Brooks pintou sobretudo formidáveis imagens femininas. Esta A França cruzada, de 1914, Smithsonian American Art Museum, marcando a tragédia da primeira guerra mundial.
O exemplo de Romaine Brooks é um entre muitíssimos, que busquei informar-me graças à internet. Deu vontade de preparar um curso sobre esses artistas do antigo museu.
Mauclair, o autor do livro, tem uma visão lúcida sobre os conflitos entre vanguarda e tradição. Transcrevo aqui um trecho:
"Confuso por haver manifestado tanta hostilidade a artistas anteriores, que agora eram apresentados como mestres, o público, mesmo desorientado, decidia, tanto por prudência quanto por esnobismo, a ter aparência de estar entendendo todas as manifestações e poupar-se assim de recriminações futuras, sua visão estando, aliás, mais preparada para tolerar audácias que antes lhes pareceriam rebeldias."
Ainda:
"O extremo rigor desses princípios (das vanguardas modernas, em particular do cubismo) parece paradoxalmente criar um novo academismo internacional. É curioso constatar que ele comporta uma disciplina não menos estreita do que as antigas regras da Escola."
E mais:
"O exame dos movimentos picturais durante algumas gerações mostraria, com efeito, que o espírito dos homens, apesar das teorias e das técnicas terminam sendo mais ou menos as mesmas: e os "fauves" tendo chegado ao sucesso e impondo um corpo de doutrinas têm, como a velha escola, seus Cabanels, seus Gérômes, seus Cormons e seus Carolus-Durans."
Para concluir: procurando entre os pintores mencionados no livro, descubro que um quadro Paisagem da Córsega, do obscuro André Strauss, que vem reproduzido:
foi vendido num leilão recente:
O importante, porém, é que elas são bastante numerosas. O livro é concebido como um passeio pelo museu, com comentários do autor (que, aqui e ali escorrega em alguma informação factual). Para além dos gênios conhecidos - Rodin, Monet, Renoir, etc. - ele traz uma grande quantidade de artistas contemporâneos do livro que, naquele final dos anos de 1920, eram considerados "modernos", então bem conhecidos e hoje perfeitamente esquecidos. Muitos tiveram sucessos mundanos e nenhum é de vanguarda. Vários eram mulheres. Nada de cubistas, nem expressionistas, nem surrealistas e muito menos dada. Alguns fauve domesticados, como Matisse.
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Henri Matisse - A odalisca - outrora no Museu do Luxemburgo, hoje no Museu de Arte Moderna, Centro Georges Pompidou |
Mas é a descoberta de desconhecidos que fascina. Assim, essa italiana Romaine Brooks, que deixou um impressionante retrato de d'Annunzio, antes no Museu do Luxemburgo, agora em Pompidou.
Ou ainda esta Una, Lady Troubridge, 1924, Smithsonian American Art Museum, de Washington.
O exemplo de Romaine Brooks é um entre muitíssimos, que busquei informar-me graças à internet. Deu vontade de preparar um curso sobre esses artistas do antigo museu.
Mauclair, o autor do livro, tem uma visão lúcida sobre os conflitos entre vanguarda e tradição. Transcrevo aqui um trecho:
"Confuso por haver manifestado tanta hostilidade a artistas anteriores, que agora eram apresentados como mestres, o público, mesmo desorientado, decidia, tanto por prudência quanto por esnobismo, a ter aparência de estar entendendo todas as manifestações e poupar-se assim de recriminações futuras, sua visão estando, aliás, mais preparada para tolerar audácias que antes lhes pareceriam rebeldias."
Ainda:
"O extremo rigor desses princípios (das vanguardas modernas, em particular do cubismo) parece paradoxalmente criar um novo academismo internacional. É curioso constatar que ele comporta uma disciplina não menos estreita do que as antigas regras da Escola."
E mais:
"O exame dos movimentos picturais durante algumas gerações mostraria, com efeito, que o espírito dos homens, apesar das teorias e das técnicas terminam sendo mais ou menos as mesmas: e os "fauves" tendo chegado ao sucesso e impondo um corpo de doutrinas têm, como a velha escola, seus Cabanels, seus Gérômes, seus Cormons e seus Carolus-Durans."
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Para concluir: procurando entre os pintores mencionados no livro, descubro que um quadro Paisagem da Córsega, do obscuro André Strauss, que vem reproduzido:
foi vendido num leilão recente:
Comuniquei o fato a Didier Ryckner, que dirige a revista on line La tribune de l'art, e que faz sério jornalismo de investigação. Ele, por sua vez, fez algumas buscas, e descobriu que o quadro foi enviado a muito tempo à préfecture (não é prefeitura, mas sede do governo regional) de Seine-et-Marne, na cidade de Melun. Alguém deve ter surrupiado a paisagem esquecida, que agora reaparece em leilão. Ryckner ficou de me informar sobre os avanços da pesquisa.
É um pequeno fato, mas que demonstra o quanto as obras, quando saem do gosto geral, são fragilizadas pelo esquecimento.
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