A
última obra-prima dos musicais. Talvez não seja exagero essa afirmação sobre All that Jazz. O filme de 1979, de Bob
Fosse, é poderoso, cintilante e cortante. Uma biopic ou, antes disso, uma autobiopic.
Os personagens criados e as situações elencadas por vezes parecem retiradas de
alguma história caricatural, mas todas encontram seus ecos na vida de Bob
Fosse. A própria ideia do filme buscando os bastidores da formação de um elenco
para um show na Broadway, ou as intempéries da luta contra a morte ou a sua
aceitação nascem também da condição do próprio diretor, hospitalizado por um
ataque cardíaco.
Fosse
foi dançarino, ator, diretor, coreógrafo. Seu primeiro trabalho de coreografia
para Hollywood é Kiss me Kate,
dirigido por George Sidney, em 1953. Responsável por desenhar seu próprio
número no filme, desenvolve pausas e explosões musculares alinhadas à elegância
da flutuação. É salutar, Bob Fosse foi um dançarino do mais alto nível. A
precisão e a amabilidade dos movimentos poderiam estar lado a lado daquelas de
Fred Astaire e a força de seus saltos lembram também as energias musculares de
Gene Kelly. Talvez valha a pena olhar o número de Hortensio, seu personagem em
Kiss me Kate:
A
cena escolhida para este post é Bye Bye
Life. Impossível antes não deixar preciso alguns pontos. Roy Scheider
interpreta Joe Gideon, um Bob Fosse sem muito disfarce. Scheider seguiu Fosse
por algum tempo para “aprender” seus modos, jeitos etc. a construção do
personagem foi em conjunto com o próprio diretor. Fosse sempre foi um obstinado
e obcecado pelo trabalho, o que é evidenciado com fervor no filme. Em certo momento
os limites da perfeição tornam-se inexplicáveis. Usava cerca de vinte tomadas para
cada cena, sendo que havia storyboard
etc. Isso aumentava consideravelmente os gastos e também o trabalho de edição,
praticamente uma jornada sem fim. Este ponto aparece em All that jazz. O trabalho com a edição
faz eco aos inúmeros problemas que o diretor teve com seu filme Lenny, de 1974, cujo personagem
principal fora interpretado por Dustin Hoffman. Em All that jazz os personagens são frágeis, estão sempre a ponto do
estilhaço, tudo se sustenta na aparência do show business, a única lógica que
importa no filme.
Sem
muito cuidado podemos apressadamente apostar em um louvor à
morte, mas é o seu próprio contrário. O filme é uma grande saudação à vida. A exploração
do caminho até a morte é um espetáculo, merece destaque e este show enaltece a
vida e o que dela foi feito. Assim, poderia dizer que se trata de uma tremenda ego trip e não deixa de ser, mas antes, uma
obra de arte de altíssima qualidade.
Apesar
de Bye bye life, qualquer número do
filme poderia entrar no conjunto de melhores cenas de musicais de todos os
tempos. Everything Old Is New Again, On Broadway, After You've
Gone, Some of
These Days etc. Estes títulos, aliás, dizem muito sobre o filme.
Assim como Singin' in the Rain praticamente
nenhuma música foi escrita para o filme (com pequenas exceções – no filme de 1952 esta forma
também aparece), antes optou-se por enaltecer a própria história
das grandes canções, muitas delas com grande espaço na Broadway ou em
Hollywood.
Não
saberia por onde começar: Na cirúrgica cena do Air-Otica, corpos em movimentos
precisos; vemos um resultado final de um trabalho, mas no filme é um projeto de
um espetáculo.
Na
paisagem cultural que o filme abraça, as homenagens e as recriações (usos
clássicos e novos são reformulados) tomam forma na brincadeira métrica de Everything Old Is New Again.
Bye
bye life faz parte do balanço final, dos últimos 30 minutos de estado
febril, as imagens se intercalam na alucinação de Gideon e na aspereza da realidade
do ambiente hospitalar. Tudo se inicia com o personagem O'Connor Flood, interpretado
por Ben Vereen, anunciando o próximo número, a despedida de Gideon. No início,
as bailarinas-veias pulsam lindamente junto com o braço do homenageado no
centro do palco. Os músicos sobem como um show de rock-disco característico dos
anos 70. O espetáculo está montado. A beleza do mundo onde tudo vira estético e
adereço: a marca prateada no peito de Gideon aparece no lugar do sinal da
cicatriz da cirurgia cardíaca.
Mundo
dos brilhos, dos reflexos retorcidos e das maquiagens. A verdade que é
necessária a Gideon aparece em seus momentos derradeiros. Enquanto Flood canta “Bye bye your life, goodbye”
e “I think he's gonna die” Gideon ao mesmo tempo “Bye bye my life, goodbye” e “I
think I'm gonna die”. Livre, sem mentiras ou dessabores tudo parece
apequenado frente aos minutos do espetáculo. Diverso do restante do filme a câmera
não se intercala pelo olhar do cinema ou o olhar do espectador em um show, temos
a visão da proximidade com os personagens, um espetáculo individual com poucos
respiros de planos abertos, no qual o palco apareceria em sua integridade.
A
música originalmente foi composta pelo casal Felice e Boudleaux Bryant e sua
popularidade veio com The Everly Brothers, em 1957. Ela é mais jovial e muito
menos dramática da versão erguida pelo filme de Bob Fosse.
Poucos
foram os musicais depois de All that Jazz
a conseguir tanto êxito e sinceridade. É de referências e visualmente carregado,
mas nada sobra, não há exageros: O Show Deve Continuar!
Filmaço. E vc escreveu com tanta paixão que deu até vontade rever o filme.
ResponderExcluir;) obrigado!
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