Costumo todo início de ano assistir
ao que posso, procurando o que não estreou ou foi difícil de encontrar na
internet. No caso particular do cinema francês, me pauto pelo público e também
pela crítica. Nisso recomendo os sites AlloCiné
e também SensCritique, são aficionados
por listas e facilmente você consegue perceber os mais assistidos, os mais
aclamados etc. Em SensCritique é possível
também restringir a lista entre as preferências do público e dos críticos.
Claro, nos filmes de 2019, Les misérables, de Ladj Ly, está em
qualquer das listas, bem como Portrait de
la jeune fille en feu, de Céline Sciamma ou Le Chant du Loup, de Antonin Baudry. No entanto, quase não aparece
o novo de Quentin Dupieux, Le Daim. É
bom não esperar muitas respostas da narrativa nos filmes de Dupieux. Uma
constante em seu cinema é o modo como a comédia banha-se de elementos
misteriosos e, por vezes, às margens do horror. Como acontece em Rubber, 2010, Au poste!, 2018 e também com Le
Daim.
Este último filme tem como base o
mistério. Georges, interpretado por um Dujardin determinado, é um personagem
lacunar. Em sua psicopatia, a obsessão está na ideia de uma jaqueta de camurça.
A primeira cena: em uma viagem de carro o protagonista ao parar em um posto,
descarta sua jaqueta sintética de maneira violentamente estúpida. No banheiro, tenta
se livrar da jaqueta descarga abaixo. Ao chegar em seu destino, percebemos que busca
uma mercadoria comprada pela internet. Item raro de poucos exemplares, no valor
de 7,500 euros, pagos em dinheiro vivo: “todo o dinheiro que tenho”, diz Georges.
Trata-se da jaqueta marrom, com ares de
cowboy, 100% camurça. A partir desse ponto, tudo é imediato, nada parece
extremamente premeditado ou organizado. A fixação pelo material o leva a
organizar e empreender o desejo de que todos abandonem sua rotina de jaquetas
sintéticas em favor da camurça.
O fantástico é como esse enredo o leva a “se tornar” um diretor de cinema, pela paixão de uma moça pela atuação e produção que termina por colaborar com este “diretor” misterioso. Um thriller cômico e ácido, um absurdo do ponto de vista lógico. Delicioso!
*
As comédias francesas são, quase totalmente,
desprezadas pela crítica, e também pela classe intelectualizada. No caso
brasileiro, pouco chega, de fato, a ser visto. A distribuição circunda-se no
ciclo vicioso daquilo que poderia ser considerado adequado para manter a ideia
do “Cinema Francês”, aquele cabeça, dos Cahiers.
Lembro de um episódio da série Modern
Family: em uma conversa, Phil e Claire querem se aproximar dos pais do
rival intelectual de sua filha. Estes são esnobes, com narizes empinados da
intelectualidade. Claire, então decide fazer um “sacrifício”: assistir a filmes
franceses “cabeças”. Phil responde: “Claire, não! Por que eu devo assistir a um
filme francês? O que eu fiz de errado?!”. A cena é engraçada, claro, e tem dois
lados. Primeiro a ideia geral que se tem do cinema francês e depois, como eles
são chatos, pouco divertidos etc.
Talvez, Philippe de Chauveron
seja desconhecido por aqui, não sei. Suas comédias, embora engraçadas, por
vezes, são repetitivas. Como ocorre com Qu'est-ce
qu'on a encore fait au Bon Dieu ? que continua o sucesso de 2014, Qu’est-ce qu’on a fait au Bon Dieu?. Os
filmes de Chauveron permitem a discussão de certo mal-estar na França, o embate
entre a tradição – o espírito puramente francês –, e a percepção contemporânea –
e as questões dos igualmente franceses de outros lugares, África, do mundo
Árabe etc. Elementos que ficam mais evidentes com seu filme À bras ouverts, de 2017.
Mas em Qu’est-ce... uma família com raízes na tradição, se vê, por meio da
nova geração, estremecida. Uma filha que casa com um Chinês, outra com um Árabe
etc. É preciso enfrentar e compreender as mudanças e reivindicações desta
geração, eis a base do filme. Neste último longa, porém, nada de muito novo,
talvez a crítica mais contundente a esse “espírito” francês.
O patriarca e a matriarca voltam
sedentos para casa, pois necessitam de um jantar tipicamente francês. Vemos
apenas um grosso pedaço de queijo e a abundância do vinho.
La tour Montparnasse infernale (2001), de Charles Nemes (criador da
série H), no entanto, parece distante. Uma comédia franca e sem pretensões é
coisa rara hoje na França. Para voltar ao post de Jorge Coli, “é preciso ser
sempre um pouco babaca” para compreendê-la.
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